UMA XÍCARA DE CAFÉ
Diogo Emmanoel Costa
Jon estava mais uma vez onde um dia fora seu restaurante favorito. Sentado à mesma mesa de sempre, ao lado da janela onde conseguia ver o trânsito de pedestres na calçada, via o cruzamento da próxima rua onde os automóveis escapavam da vista. O céu de fim de tarde mantinha um tom em bronze nas nuvens, a rua parecia mais cinza que antes da guerra. O velho rádio do estabelecimento tocava Sinatra. Uma garçonete se aproximou oferecendo café.
Ele manteve um sorriso reto enquanto a mulher lhe oferecia sopa, torta, bolo, algo mais além do café. Ele pediu bolo mantendo a expressão até que ela fosse atender outras mesas. Todos do lugar o conheciam, foi então para a mulher com o café algo estranho ver uma expressão tão fraca no rosto de Jon, ele costumava ser mais alegre. É o que a guerra faz com homens alegres, ela quebra os sorrisos em seus rostos. A barba estava por fazer, no lábio tinha uma cicatriz onde passou a passar a língua como uma mania, mas o vestuário era quase o mesmo de que os funcionários do lugar lembravam. Uma camisa xadrez e um jeans velho por cima de uma bota surrada.
A moça chegou com o pedido e aproveitou para encher a xícara de café. Enquanto estava ali olhando para o bolo a sua frente, Jon lembrou de Janete. Uma moça que vivia metida em vestidos azuis e amarelos e mantinha sempre os cachos perfeitos sobre um rosto delicado e redondo, que sempre estava com Jon naquela mesma mesa, e que às vezes roubava do seu prato um pedaço de bolo e comia rápido, sorrindo de boca cheia. Para Jon, Janete era o chamado para retornar, a esperança no fim da tragédia.
O mundo lá fora havia mudado com o fim da guerra, mas talvez Jon não quisesse que o tudo tivesse mudado. A guerra o levou embora, separou-o de tudo que tinha importância em sua vida, e quando permitiu seu retorno só o derrubou mais uma vez, uma grande rasteira para saber que aquele mundinho que sonhou entre as trincheiras era só um conto de fadas de uma realidade distante. A música no rádio mudou, "I've got you under my skin" começou a tocar e voz de Sinatra no aparelho se misturou a voz de Janete trazida das lembranças de Jon..
A garçonete passou outra vez e encheu sua xícara. A espuma do café formando círculos como os cachos da cabeleira de Janete. Era preciso mais que um café para entorpecer o novo mundo de Jon assim como o de vários outros que por aí estavam, caídos sem aguentar o resultado do mundo estilhaçado, ou transformados pelos pesadelos bélicos que os acompanhavam depois do fim. Era preciso sempre mais que uma xícara de café. O país voltou vitorioso, medalhas foram entregues em fitas coloridas como os vestidos que a doce Janete costumava usar. Mas o que importa de verdade não está lá. Jon terminou o bolo, tomou seu café, deixou alguns trocados sobre a mesa e foi embora.