OS RUMORES DAS NOVAS CORES

As cores eram diferentes… eram novas e indecifráveis. Ao mesmo tempo todos na cidade sabiam que aquilo no céu eram cores de fato. Que cortavam o azul usual, como flechas que se acendiam e sumiam em segundos. Carros se chocaram, pessoas loucas correram, fanáticos se ajoelharam, o ônibus da escola tombou e todos frearam de vez em cima da faixa de pedestres entre o correio e o mercadinho. Todos que estavam nas farmácias e circulando na praça (onde morava o prefeito) saíram assustados. Outros foram saltando dos carros segurando câmeras de celular, com as mãos na testa a fim de diminuir o sol em seus olhos.

Ainda era impossível controlar o sol (sempre será). E era impossível também controlar a chegada daquelas cores… advindas de uma nova era. Todos os jornais, revistas e sites tentaram falar a respeito, porém não tinham muito a acrescentar devido a falta de imagens e vídeos. Não havia tecnologia e equipamento, para captar as novas cores… então as pessoas não deram a mínima àquelas notícias chatas, que mal conseguiam falar a respeito dos efeitos no céu. A verdadeira graça diante do vislumbre – horas alegre como o dia/ horas misterioso e taciturno como a noite – era ficar o máximo de tempo possível do lado de fora. As pessoas abriam os braços sorrindo, sentindo os efeitos benéficos dos novos raios. Assim como alguns doentes e depressivos se curavam e corriam, saltitando de emoção pelas ruas, enquanto as crianças continuavam sendo crianças.

Alguns dias depois, todos amanheceram com as novas cores pintando a cidade. Elas agora pintavam as casas, fazendo com que os cães uivassem como mil clarinetes em uníssono e gatos ronronassem com desconfiança frente a nova aparência dos muros, telhas e árvores. As cores apareceram também nas obras, prédios e casas, assim como nas mãos dos artistas. E as pessoas saíram pintando tudo com suas novas latas de tinta e com a ajuda das crianças que carregavam estojos de lápis de cor nas mochilas da escola… A cidade parou, prestando atenção nisso e somente nisso durante muitos meses. Até que dois homens cruzaram a praça compartilhando de fortes reclamações…

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“UM ABSURDO! Eu não encontro NEM UMA TINTA LARANJA sequer na cidade, ABSURDO! Está em falta!”, dizia um reclamando. “É UMA CRISE! Onde estão as NOSSAS CORES de sempre? E as cores da Bandeira, o que faremos com ela? NÃO É JUSTO!”. Sentados em frente a TV, um casal discutia sobre a descoberta de uma tal “Religião do Azul Perdido”. Ele queria frequentar os cultos, conversar com o pastor… e quem sabe até, encontrar a cor natural de suas calças jeans no guarda-roupa. Ela achava o dízimo exorbitante e não queria ir. Do outro lado da cidade uma menina dava o maior porre em sua festinha de seis aninhos, pois tinha pedido desde o ano passado, uma festa da Barbie. E “todo mundo sabe que A BARBIE É ROSA!”, gritava chorando. Além disso, um casal de idosos andava tendo sérios problemas de insônia. É que todo aquele colorido - por mais lindo que fosse - não lhes lembrava o bom e velho cinza das velhas cortinas, que os faziam dormir tão profundamente.

Um ano depois… todos estavam realmente insatisfeitos com aquilo. E rogavam praga, evitando olhar até demais para cima, amaldiçoando aquele horror que pintava o céu, estragando a cidade. Para estabelecer a ordem, preservar os velhos costumes e o que sobrara das cores antigas (que estavam escassas), o prefeito, com aval do juiz, do padre e dos pastores… assim como de médicos e líderes comunitários, fizeram valer um decreto de PROIBIÇÃO do uso das novas cores. Assim como qualquer tentativa de olhar pro alto por mais de um minuto seguido; das 7 às 17 horas, podendo usufruir APENAS COM FINS MEDICINAIS das novas cores aos sábados, mediante atestado médio e pagamento de – gordos – impostos.