REMINISCÊNCIAS


Por Ivonaldo Leite 

O apito do trem soa com vagar, vindo da outrora Rio Branco, agora Arcoverde/PE. Cruza a ponte de Frexeira Velha. Um homem de chapéu de massa lança mão do relógio de bolso, que marca 13h15min. Trem atrasado. Um garotinho de calça curta e cabelos longos larga a barra da saia da mãe e corre até a estação.
É domingo, dia de feira em Mimoso, distrito de Pesqueira. No tempo de antigamente. A Vila que expressa em seu nome a denominação de carinho: Mimo para ser Mimoso. A rua que é o seu coração, com a Igreja ao fundo, abriga feirantes, transeuntes, curiosos, negociadores e uma porção de outros personagens cuja adjetivação seria imprecisa. Da própria Vila e dos sítios arredores. Na feira, de tudo há um pouco: miudezas, frutas, legumes, verduras, bolos e doces, bodes, panelas de barro, tecidos, fumo de rolo, e animadores para fazer rir com as coisas fáceis e tirar a tristeza das coisas difíceis, e muito mais. Ao se mastigar o doce quebra-queixo abrigado no recipiente constituído por papel de embrulho pardo, o complemento não pode deixar de ser um caneco de água tirada de uma lata que está ao pé da barraca do comerciante do produto. Escuta-se o grito do vendedor de picolé, oferecendo-o numa caixa de isopor a tiracolo, enquanto no salão de sinuca jogadores miram para colocar a bola na caçapa. Nas bodegas, uns fazem as compras semanais, outros bebem refresco com pão doce e há aqueles outros ainda que preferem a água ardente ou a amarela amarga, para distrair os pensamentos e puxar assunto sobre temas variados.
O garotinho corre até a estação. Ansioso para ver a chegada do trem, a movimentação formada, as despedidas dos que embarcam, a alegria dos que chegam, a atmosfera de sentimentos gerada. No percurso, esbarra no simpático dentista que, aos domingos, no lugar atende, e por pouco não ocorre o mesmo com o falante comerciante de goiabas que intermediava a venda entre os produtores e a Fábrica Peixe – isto exatamente no momento em que ele tirava prosa com um fornecedor dos altos de Serra da Cruz.
Na estação, a aglomeração está formada. Ali está o ponto de conexão da Vila de Mimoso com o mundo, que, neste caso, se limitava à chegada do trem à capital, Recife. Assim foi durante anos e anos, décadas e décadas. A feira se aproxima do fim, à medida que o maquinista se prepara para fazer o trem partir. Um tanto triste, o garotinho observa a sua festa se encerrar. Mãos acenam, o trem apita e se vai embora. O garotinho corre de volta à barra da saia de sua mãe. A Vila vai caminhando para o seu crepúsculo dominical. Já se aproxima a hora do dia se despedir. Prenúncio da historicidade e transitoriedade da vida: ‘tudo que é próximo se afasta’. Para viver eternamente nas reminiscências melancólicas da memória.
Ivonaldo Leite
Enviado por Ivonaldo Leite em 11/04/2020
Reeditado em 11/04/2020
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