AS TERRAS DEVASTADAS (prólogo)

ANOS ATRÁS...

UM CERTO TIPO DE SEQUESTRO

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Nunca gostei de dormir naquela fazenda... Era escuro demais... e calmo até demais. Mas por outro lado gostava de ver as estrelas. Eram tantas... Meu pai sabia dizer seus nomes e distinguir se eram ou não planetas. Às vezes uma estrela cadente passava bem rápido e bestamente eu fazia um pedido. Sabendo que não seria atendido... Já tinha idade pra saber que as coisas não eram fáceis. Desejos não são realizados com simples pedidos. Desejos são realizados com sacrifício. E até mesmo se sacrificando e perdendo todas as fichas pode ser que nada se realize pra você.

A madrugada chegou e todos dormiam depois de comemorar uma festa de São João regada a especiarias de interior e licor de jenipapo. Meus amigos estavam todos cansados e bêbados e eu estava acordado perto da fogueira que quase chegava ao fim. Foi quando tudo começou...

Não tenho a menor noção de como o tempo correu durante tudo o que passei. Primeiro ouvi um zumbido.... como um rádio quebrado. Mas não havia nada eletrônico por perto e achei que minha cabeça estava apenas cansada. O zumbido demorou alguns minutos e de repente aumentou e se pareciam... vozes. Como se dezenas de sopranos cantassem uma mesma nota que se emendava com o barulho do vento. A medida que o barulho aumentava fui sentindo o corpo relaxando, amolecendo... Acabei me deitando na grama.

O som aumentava cada vez mais e mais, parecendo se aproximar muito da casa. Foi aí que percebi que eu não podia me mexer. Senti minha respiração forte e meu coração acelerado em pânico. Tentei gritar por socorro, mas o som não saía de minha boca. Ouvi um barulho leve e cauteloso – porém firme – se aproximando do meu corpo estático… Eram passos. Minha boca estava escancarada e eu sentia até meu pescoço vibrar num grito que saía como se alguém viesse com um controle remoto e apertasse o 'Mute'. Diante do que vi levei algum tempo pra me acalmar.

Eram três seres... pareciam humanos, mas não eram. Não tinham cabelo algum no corpo. Vestiam uma roupa protetora metálica… e eram incrivelmente bonitos. Bem diferentes do que imaginamos encontrar num encontro com extraterrestres. Me encaravam apenas… Acho que desmaiei e acordei diversas vezes seguidas... e sempre que me via no mesmo lugar, cercado por “monstros”, entrava em pânico de novo. Eles pareciam não se importar com o que acontecia e seus rostos pareciam dizer “Pode continuar gritando… esperaremos você terminar.”. Quando consegui me acalmar... me calei e permaneci atento encarando todos eles. Acho que minha calma e minha atenção, eram o que eles estavam aguardando pra que pudessem realizar o segundo passo da missão.

- “Lucas. Lucas...” – A voz em minha cabeça vinha de um deles. Ele gesticulava como se acenasse pra mim. Senti pela primeira vez que minha vida não estava em perigo.

- Estamos conversando? Você pode me ouvir...? – Perguntei sem ao menos abrir a boca.

- “Sim, todos nós podemos. Não temos muito tempo, amigo... Queríamos que fosse conosco num breve passeio...”.

E então os três estenderam suas mãos e de repente... eu apaguei.

O CENTRO

Acordei num lugar que parecia uma gigantesca escultura de metal. Era um espaço enorme... e redondo e dois dos meus “amigos” cinzas estavam deitados no centro, parecendo dormir… com fios plugados em suas cabeças. Apenas um deles - o que desde o início falava comigo - estava ao meu lado. Tocou meu ombro com uma amigável relutância. Eu me sentia absurdamente calmo (e até feliz) e não sabia explicar o motivo… Todos eles pareciam emitir um certo... 'calor'... que me passava apenas segurança e muita paz de espírito.

- Estamos num veículo…? - Perguntei. - É UMA NAVE ESPACIAL??? – Agora eu estava falando como uma criança. E falando bem alto... Mas meu amigo continuava respondendo laconicamente através dos meus pensamentos.

Eu queria perguntar se ele podia falar... mas senti uma vergonha idiota.

- “Sim... Ela pode viajar pelo espaço. Mas não foi criada no espaço, como vocês humanos costumam pensar...”.

- Então…?

Antes que eu pudesse fazer mais perguntas, uma enorme janela se abriu em nossa frente. Eu esperava ver estrelas e planetas, mas o que vi foi uma cidade. Uma enorme e futurista, cidade fechada numa imensa redoma transparente.

Eu vi veículos voadores como nos filmes de Hollywood e todos os seres nas ruas eram parecidos (mas não identicos) os três cinzas. Os prédios eram gigantes e lindos e suas construções pareciam desafiar as leis da física... em formatos que provavelmente viriam a baixo com a tecnologia terráquea.

Tudo era incrivelmente limpo também. Porém, não havia verde... NÃO EXISTIAM ÁRVORES, plantas e animais. Um enorme rio atravessava a cidade de canto a canto e sua água era avermelhada.

- Nossa… que BELO lugar vocês vivem... – Eu disse, quase emocionado...

- “Este é o centro do planeta Terra... e é minha casa.” – Ele disse sorrindo.

- Vocês são da Terra?? Porque nunca entraram em contato?

- “Diante do histórico do que chamamos "Humanidade Externa" de destruição e de guerras, nossos líderes decidiram que ficaríamos em silêncio. Não podíamos intervir, pois vivemos em pouquíssimo número. Tudo mudou nos últimos anos, quando dominamos uma tecnologia que nos permite sair daqui facilmente e conhecer outros planos, e...”

- Meu Deus, VOCÊS VÃO NOS MATAR??!

- “Não, Lucas. Somos pacíficos. Vivemos num estado de alerta desde que explodiram a bomba atômica. Sentimos aqui… Vidas foram perdidas..”.

Nesse momento tive uma vontade súbita de chorar. Como se eu mesmo que tivesse disparado a bomba. Me senti um representante de um povo terrível, sem saber como me desculpar por uma imensa maldade.

- “Não fique assim amigo, não é isso que queremos de você… Não queremos sua culpa...”.

- E o que querem? Eu sou um contador... Não sou importante. Não sou do governo, não sou cientista, médico, astronauta... – Respondi quase choramingando.

- “Parece que uma nova guerra acontecerá... e muitos de vocês morrerão. E nós… todos nós que sobrarmos...teremos que ir embora daqui, desta vez. Decidimos levar alguns de vocês conosco… alguns que conseguirem passar por certas… Provas de amor a vida...”.

Com um ar um tanto solene... aceitei com a cabeça e estendi a mão, como se faz aqui na terra.

- NÃO SERÁ FÁCIL, Lucas... - Ele completou, antes de me tocar com seus dedos enormes. Quase tive a certeza de que ele estava prendendo um sorriso....

- “Deite-se irmão... você sentirá um sono forte agora... eu queria lhe mostrar mais e conversar muito mais. Mas a atmosfera da nave pode te fazer mal. Seu corpo não está acostumado ainda... Um dia nos veremos de novo e teremos tempo… E seremos amigos.”.

E então se fez uma luz forte que me fez fechar os olhos.

… quando abri novamente estava de volta à fazenda, deitado na grama. Olhei em minha volta… a fogueira ainda estava acesa.

- COMO...?!

Olhei o relógio e tinham se passado apenas dois minutos. Mas eu eu não tinha dúvidas de que não fora um sonho. Fui caminhando pra dentro da casa, me sentindo cansado, emotivo... meu corpo ainda tremia. "Uma guerra? OUTRA GUERRA? Quando??". Ao chegar fui recepcionado por uma amiga.

- LUCAS! Perdeu-se olhando as estrelas?

- Não... – respondi rindo forçadamente... – na verdade eu estava beeem dentro da Terra, desta vez....

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PARTE II

O ÚLTIMO CÃO DO INFERNO

Pt. II