A JANELA ABERTA.

A janela estava aberta, Paula observava em silêncio o movimento na avenida. Carros à toda velocidade, indo e vindo freneticamente, buzinas, palavrões, os ânimos estavam exaltados. O seu olhar parecia distante, perdido no horizonte de seus próprios pensamentos. O sol esgueirava-se entre as muitas nuvens. Era o fim de tarde de um novembro desconfiado.

Transeuntes apressados passavam pela calçada, alguns paravam bem embaixo da sua janela para conversar, outros, mais abusados, sentavam na calçada para fumar seus cigarros paraguaios fedorentos. Por várias vezes Paula insistiu com a mãe para vender aquela casa e comprar outra em um bairro mais afastado. Era inútil conversar com a mãe, a cada tentativa era uma briga feia das duas.

Faziam duas semanas que Paula não saia de casa para nada, tantos planos que fez para aproveitar as férias, não fez nada do que planejou. Passava o dia nos afazeres da casa, aqui a ali, às vezes assistindo qualquer programa na televisão. A mãe sempre com as mesmas reclamações, protegida exageradamente os filhos homens, três no total, Carlos, Gilberto e Marcelino. Já com as mulheres não tinha moleza. Tudo eram por conta delas, tudo era culpa delas. Eram três filhas do segundo casamento. Ela, a mais velha delas, e depois tinha a Vilma e a caçula Marina.

De todos os irmãos, o que mais Margarida protegia era o filho Marcelino, nunca que ele estava errado. O casamento de Marcelino era um caos, tudo por culpa de suas decisões erradas e irresponsáveis, mas, para a mãe, ele era um santo. Cláudia a sua mulher, era sempre a culpada de tudo. Paula era a única solteira que morava com a mãe, os demais filhos não fazia questão de visitá-la, era sempre ela que duas vezes por ano viajava para ver os filhos homens. Paula dava graças a Deus quando a mãe viajava, pois eram aqueles tempos de paz e sossego para ela. Da janela, continuava silenciosa, amuada, os pensamentos longe, fugitivos e peregrinos.

Paula experimentava uma sensação de aniquilamento, de inferioridade com relação aos irmãos e família. As colegas de trabalho aconselharam-na a procurar ajuda psicológica. Quando ela foi dizer à mãe sobre fazer sessões de psicoterapia, foi duramente criticada. Paula já não tinha desejo para mais nada.

Da cozinha ela ouvia as reclamações da mãe. Nada estava bom para Margarida, era sempre a mesma coisa antes de viajar. Arrumava defeito em tudo, reclamava o tempo todo, ao ponto da filha não aguentando tanto falatório, comprar as passagens para ela. Os irmãos homens moravam em Maceió, era esse o seu destino dela duas vezes ao ano. Quando se cansava de lá, fazia a mesma coisa. Paula desejava pôr um fim em tudo àquilo, o seu esgotamento chegou a um ponto crítico. A noite já havia chegado, no horizonte as primeiras estrelas cintilantes. Da cozinhas os gritos de Margarida.

- Paula, ô Paula... Paula estou te chamando, tá surda. Ô peste é...

Como não obteve resposta foi até o quarto, furiosa com a filha. Procurou-a, mas ela não estava no quarto, a janela ainda aberta. Procurou em cada cômodo da casa, não encontrou a filha. Paula havia desaparecido. Como um fantasma. Por algumas horas Margarida não fez questão, contudo, no decurso das horas, no avançar da madrugada, desesperada, Margarida saiu pelas ruas a procura da filha, perguntando para um e outro se à tinham visto, ninguém viu a moça. Nem mesmo os moleques que ficavam na rua de frente a sua casa até altas horas. Disseram apenas que há tinham visto na janela, mas no instante seguinte não estava mais. Eles não viram ninguém sair da casa. Margarida ficou em silêncio, voltou para casa, o relógio na parede da sala marcava quatro horas da manhã, Margarida ligou para um filho, para outro, e outro, fez um alarde...

Dois dias se passaram e Paula não apareceu. A janela do seu quarto continuava aberta. 'Pular era impossível devido a altura do sobrado'. Pensou Margarida. 'Certamente que saiu pela porta da sala, porém, levou chave reserva, pois a que ela usava estava na cômoda do quarto. Os familiares que moravam em São Paulo estavam todos reunidos na casa de Margarida, ligaram para tudo que foi de lugar,. Hospitais, IML, polícia, conhecidos do trabalho, conhecidos da igreja que frequentava, ninguém tinha visto ou falando com ela.

No dia seguinte, todos os que a conheciam se propuseram a ajudar, logo pela manhã saíram para procurar por Paula, que desapareceu sem deixar rastros.

A casa ficou vazia, a janela, continuava aberta.

Quando Margarida e os filhos retornaram, já no começo da tarde, alguns meninos que por ali estavam disseram tê-la visto na janela, logo após todos saírem. Imaginando que a filha houvesse retornado, adentraram na casa chamando pelo seu nome, procuraram em cada canto, nada...

No começo da noite, uma das irmãs de Paula resolveu fazer uma faxina no quarto da irmã, pois o mesmo começava a cheirar mau.

De repente, ouve-se um barulho, como se algo pesado tivesse caído, Margarida subiu as escadas apressadamente, para a parte de cima da casa onde ficavam os quartos, foi verificar o que tinha acontecido. Chamou pela filha... Não houve respostas. Na parte de baixo onde ficavam cozinha e sala, os outros filhos estavam reunidos, quando ouviram os gritos da Mãe... Subiram as escadas aos tropeços, no quarto, a irmã desmaiada, Margarida de joelhos chorando, ao aproximar, a porta do guarda roupa estava aberta, dentro, tenra corda pendurada, um corpo sem vida, era o corpo de Paula...

O suicídio de Paula abalou a família drasticamente, colocaram a casa a venda, que afinal, nunca foi vendida, quanto a janela....

A janela continua aberta...

NOTA: Essa história foi escrita para chamar a atenção para essa terrível doença que ceifa a vida de muitas pessoas pelo mundo.

( Depressão é coisa seria )

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 06/03/2020
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