Detetive Café, em: BANHEIRO ASSOMBRADO NA RODOVIÁRIA DE SALVADOR
Quando finalmente consegui chegar no guichê, estava completamente suado, limpando meu chapéu (que estava todo surrado e pisado) no meu paletó. As pessoas em volta me encarando… Mas tudo bem, eu sou gostosão, e chamo atenção, obviamente isso não têm “NADA A VER” com o fato de eu estar: Vestido como Detetive dos anos 60, ARMADO com uma 38, cambaleando na cintura. Nunca acho que as pessoas estejam se sentindo ameaçadas com a possibilidade de eu atirar em alguém… Acho que elas ficam preocupadas com a possibilidade de eu acabar tentando atirar e NÃO CONSEGUINDO. E aí sim, acabar causando algum acidente! Ou disparando a arma no meu pé… Eu suava e cafangava “mini-palavrões” e ao mesmo tempo ia abrindo caminho dando outros “mini-sorrisos” pras pessoas que me deixavam passar.
- Oi, eu quero uma passagem pra…
- PRA ONDE? - Fez a moça incrivelmente mal-humorada, que me deu um olhar impaciente, seguido de um gesto bizarro (e oitentista) de puxar o chiclete com o dedo até o máximo que se pode, até em seguida devolvê-lo pra boca. Um nojo.
- … Algum lugar de praia… me diz algum bom! Ah! E que não seja assim tão longe.
- O SENHOR NÃO SABE PARA ONDE VAI???
- Ué, porque as pessoas precisam SEMPRE saber pra onde vão?
Na verdade o que eu sabia é que estava tentando fugir de todas as entidades, fantasmas, assombrações, espíritos, encostos, fadas, duendes, goblins, demônios e qualquer outra chatice do gênero “só eu vejo e mais ninguém”, na cidade de Salvador. Um Detetive de “Casos Sobrenaturais” também tem direito a férias… né não?!
- “São Francisco do Conde” - Disse uma voz na fila.
- PRONTO. Me manda pra lá.
- (suspiro impaciente…) NOME?
- Café. Fernando Café.
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Passagem comprada, desci as escadas sorrindo, mas ainda um pouco assustado. [Ah! Esqueci de contar! Uns meninos tentaram surrupiar meu chapéu na passarela, tive que abandonar a minha mala e correr atrás deles até quase bem perto da porta do Shopping Iguatemi. Quando viram uma viatura, pararam de correr. Um dos guris me olhou rindo, de uma cuspidela no chapéu e gritou: “essa coisa velha!”, atirou no chão e pisou umas duas vezes. Eu podia puxar a arma, mas seria um “auê”, acabaria não viajando… E podia mandar alguma alma penada amiga minha encostar nele, mas era apenas uma criança. Deixei pra lá. Fui subindo o viaduto exausto e já acreditando que tinha perdido minha mala… Mas, tudo bem, não havia nada de valor (como por exemplo; meu chapéu) dentro da mala. Parei na metade, pois encontrei uma moça vendendo espetinho de carne (minha fraqueza!) e pedi um… Uma voz do além sussurrou em meu ouvido na hora: “É cavalo…”. Eu dei uma relinchada e caí na gargalhada, a vendedora não gostou nem um pouco da brincadeira… então eu achei melhor pegar logo meu espeto e dar o fora dali. Não acreditei quando vi minha mala paradinha ali e intacta. Às vezes me esqueço que os espíritos loucos estão à solta, mas que Deus está sempre por perto também].
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Então, o pior parecia já ter passado… A única coisa que passava em minha cabeça era o logo da Mac Donalds, aquele M’zão martelando em minha mente. Eu merecia um Big Mac. Ah, eu MERECIA, SIM, um Big Mac! Talvez dois.
- Vou dar uma chegada no banheiro, depois volto pra detonar todos esses Big Macs aí dentro, viu beibi???!! - Berrei para uma funcionaria no caixa da lanchonete, que sorriu completamente sem graça enquanto outros olhavam e riam.
Entrei no banheiro e achei estranho… cheiroso demais. Sempre cismo quando entro num ambiente público que esteja cheiroso demais. Cheiro bom é morte… As pessoas acham que é o contrário, mas só coisas vivas que tem cheiro de coisa podre. O mundo espiritual é sempre cheiroso à beça. Inclusive alguns espíritos têm cheiro de baunilha! (brincadeira). Mesmo assim entrei… Cheguei a estranhar também o fato de estar vazio. Mas, como era um banheiro que custava 1 REAL para entrar – e brasileiro prefere morrer do que pagar alguma coisa extra – deixei pra lá e fui mijar. Quando já ia saindo, tentei abrir a porta e não consegui... não estava apenas trancada... Ela estava incrivelmente gelada!
- Hunf… Já vi que me lasquei. - Resmunguei… - O QUE QUER QUE ESTEJA AÍ. SEJE HOMI. APAREÇA!!!!!
Com uma mão segurei minha pistola e com a outra mão tirei o meu terço escondido no bolso interno do paletó. Mas tudo que ouvi, foi um choro baixinho vindo do último vazo lá no final do banheiro. Andei até lá e... – sei lá por que fiz isso – dei um pontapé na porta, o que fez a garota que estava dentro, quase ter um infarto. Ela se tremeu e gritou como se fosse uma aranha numa chapa quente. Um verdadeiro chilique… (sem machismos, eu teria dado um pior). Mas, depois que se recompôs, correu e me abraçou.
- Meu Deus, você é de verdade... e você ME VÊ!
- Quem te prendeu aqui, moça? Espirito de Ex-namorado morto?
- NOSSA… SIM! COMO VOCÊ SABE??
- SOU O DETETIVE FERNANDO CAFÉ, não me reconhece?
- aahn… hummm…hehehe… - Ela ficou com o dedo no queixo pensando se me conhecia.
- Você entrou aqui que dia, beibi?
- 30 de agosto… de 2002!
- Vixe…. Estamos em 2018. É por isso que não me conhece então.
Não consegui disfarçar. Parecia ser um tipo novo de caso. Na verdade seria ótimo se eu pudesse analisá-lo de fora (pra não perder minha viagem), mas tive uma sensação de que estávamos – de certa forma - “congelados” no tempo. A garota fez uma cara de choro. Ela tinha cara de ser dramática e chorona. UM SACO. Muito difícil pensar e resolver as problemas com clientes assim por perto. Mas em contrapartida ela era uma gatinha… Um cabelo castanho do tipo mentiroso (que não era de nascença), olhos claros que ficavam ainda mais claros com o chororô todo… do tipo magrinha com um bundão (que fica parecendo uma coxinha). Pensei “se eu for passar a eternidade aqui, tudo bem pra mim...”. Até que fez-se um estrondo. Como se alguma coisa estivesse chegando por dentro das paredes. O frio aumentou. Acredito que estivéssemos em menos de dez graus, o que pra mim – que sou um bom e legítimo baiano de Soterópolis – já era insuportável.
- UAAAAAAAAAAAAAAA!!! HAHAHAHAHAAAAAAA!!
- Aiiii, é eleeee!!! - Ela gritou.
Eu revirei os olhos e dei um muxoxo de impaciência.
Sai pra ver o escandaloso… Era uma enorme nuvem preta com grandes olhos amarelos... Furiosos. Era um espírito de vingança. Já tinha visto alguns, são muito fortes. Acumulam muito ódio e acumulam a culpa dos seres que lhes fizeram mal. Dei um sorriso e um “tchauzinho” maroto pra ele.
- Porque vocês sempre entram assim, gritando e gargalhando, hein? Isso não assusta cara, isso é coisa de vilão do Scooby Doo!
É CLARO, que eu falei isso e imediatamente CORRI pra dentro do banheiro de novo sem fazer a menor ideia – como sempre – do que ia fazer em seguida. Tudo começou a tremer e várias portas e vasos estavam sendo destruídos. O Espirito parecia um furacão, acabando com o banheiro… logo chegaria na gente, eu precisava pensar rápido.
- ESSE é seu método? - A moça perguntou indignada.
- Calma…calma… vem cá: me diz uma coisa… cê traiu ele em vida? Matou ele?
- NÃO! A gente namorava, eu o AMAVA! Ele me abandonou sem explicar o motivo, e morreu alguns dias depois! Num assalto!
- hummmm… Entendi… ele tinha problemas com algum parente seu?
- Meu pai não gostava dele… mas...
- Pera aí, beibi.
Saí mais uma vez do box.
- EI!! Não foi ela não… Eu já saquei. Você não sabe como explicar pra ela né? Tipo, devem ter “cortado” sua língua… Ela que tem que descobrir sozinha… é isso?
A nuvem voou violente para cima de mim e parou, com o que seria seu rosto bem rente ao meu. Puxei um charuto do bolso e acendi, tentando fazer tipo. Dei uma baforada e um sorriso cínico. Eu me sentia bem…O cara tava puto, a garota tinha perdido alguns anos de sua vida, mas… o caso estava resolvido. Porém, ele não estava feliz. E eu também sabia o motivo…
- Entendi, cara… você queria manter ela aqui, com você… né? Olha amigo… imagino que você já deva ter recebido alguns “chamados”, para sair daqui, né não? Afinal, você devia ser uma boa pessoa… E sua gata tá viva. Isso é triste, eu entendo. Mas… vocês vão ter que adiar. Não dá pra ficar trancado com ela aqui. Você não é mais o mesmo, ô energúmeno… SE OLHE NO ESPELHO. Ela tá apavorada, cara.
- Ele vai te matar… - Ela disse, parecendo desejar um pouco que ele realmente me matasse mesmo.
- Ele não pode, espíritos de vingança só conseguem matar os que lhe fizeram mal. Por isso você tá viva… Ah! E tem mais… Parece que seu pai o ameaçou, e por isso ele te largou… Mas o velho sabia que vocês iam acabar voltando, e mandou matar ele de uma vez… Agora, a boa notícia, é que – segundo informações aqui dos meus amiguinhos do outro mundo – o velho morreu já.
Quando eu terminei de falar ela deu dois passos pra trás, como se minhas palavras tivessem lhe empurrado, e ela caiu sentada chorando (mais uma vez, muito chata a criatura). Mas o mais interessante foi que o espírito vingativo, imediatamente voltou a ser uma alma penada. Com rosto e tudo o mais. Ele tinha um olhar cansado, exausto. Muuuito triste… Isso acabou me comovendo… Eles se olharam e percebi que tudo o que mais queriam era ficar juntos.
- Nem pense em se matar viu, lôka. Não é assim que funciona… vocês ficariam em lugares diferentes.
Me ignoraram (normal...) e se aproximaram como se pudessem se tocar. Passaram muitos minutos se encarando. Mas a partir daquele momento, tudo em nossa volta ia ficando quente de novo. Estávamos sendo transportados de volta pro plano dos vivos e logo, logo eu poderia sair e qualquer um poderia entrar. E a bela – e infeliz – garota teria problemas muito difíceis pela frente.
Ouvi um barulho lá fora, indicando ônibus estavam chegando… Mas ainda dava tempo de comer um Big Mac. Me imaginei de chapéu, paletó, e obviamente de SUNGA… Em São Francisco do Conde! Nada como resolver um caso de uma garota presa por anos num banheiro de rodoviária, para se sentir tão vivo e viril…
- Amigos, até mais. - E larguei os dois. - Dei uma olhadinha pra trás. Ele já não podia ser visto, ela estava parada, tinha um rosto assustado. A vida estaria a uma porta de distância. Uma vida provavelmente muito difícil. Mas ela não era mais um problema meu.
- Sorte… - Completei com um aceno.
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Cheguei na Mac Donalds sorrindo e gritando…
- FERNANDO CAFÉ AS SUAS ORDENS! - Todos os atendentes pararam e me olharam.
- hahah lembro de você. - Disse a gerente que chegou se aproximando e gargalhando…
- Ahn?
- É… HÁ DOIS ANOS ATRÁ você apareceu me chamando de “beibi” e gritando… dizendo que já voltava. Eu tava no meu primeiro dia! TODO MUNDO RIU HAHAHA Sou boa fisionomista... Me lembro bem de ti!! Você é uma figura viu? Vau querer o seu Big Mac de 2018 ou quer um de 2020 mesmo??? hihihi.
- “Valei-me Nossa Senhora…”, - Sussurrei, tremendo.