A AGULHA ENFERRUJADA DOS NATAIS PASSADOS

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A pensão custava vinte e cinto reais a diária e papai noel ainda estava pensando em fugir, sem pagar o quarto dia. A roupa vermelha já não era tão vermelha… estava mais pra um alaranjado, amarronzado de sujeira, sêmen e vômito.

Restos de sanduíche e gotas de vinho barato que respingavam no Bom Velhinho. A prostituta estava ao seu lado roncando…e ele contava as horas… sua cabeça parecia dar loopings no travesseiro e ele fazia de tudo pra não vomitar na enorme bunda da moça. Uma de suas renas descansava no banheiro, bebendo água do vazo sanitário.

Tudo fedia a morte e o dia seguinte já era a tal da “Véspera de Natal”. O duende se aproximou chorando… ele tinha tentado se aplicar o resto de heroína que Noel e a prostituta largaram pelo chão da varanda antes de desmaiarem de vez… A agulha não entrou direito, entrou dobrada… a pele dos duendes e fadas são extremamente sensíveis, e seres mágicos não são acostumados a sentir dor.

- Ownn… How! How! Anda cá, filhotinho! - Disse o Bom Velhinho sorrindo e se levantando com muita dificuldade. Segurou o braço do duende com um cuidado paternal e puxou a agulha.

O duende que era verde já estava ficando meio azulado de tristeza e dor… Papai Noel enxugou suas lágrimas com sua enorme e macia mão aveludada… Suspendeu o rosto de seu pequeno ajudante, que lhe deu um sorrisinho meio forçado e cheio de denguinho...

- Acho que precisamos adiantar o passo filhotinho… - Sussurrou o Noel.

- É, Papai… Jáá jáááá a HUMANA acorda… e são quase cinco horas! - Disse o ajudante com olhar esbugalhado.

- Ai, Jesus! Andá lá, filhotinho! Pega a rena antes que ela morra de tanto beber água de privada!

Papai Noel puxou do bolso um pacotinho de Aspirina e umas balas de menta… se levantou com dificuldade e muita dor nas costas… Rapidamente limparam tudo. Deixaram uma nota de cem reais ao lado da mulher que dormia e saíram voando apressados pela varanda. Papai Noel tinha muitas lágrimas nos olhos e olhar perdido… E o duende também... Eles choravam, pois nada seria como antes… nenhum natal seria como antes… nenhum. Até mesmo a rena não conseguia voar tao alto e tao rápido como nos natais passados. Mamãe Noel agora era uma estrelinha. Uma memória, uma Boa Velhinha que partiu, uma esposa e companheira que morreu.

O bom velhinho queria – além da merecida aposentadoria – um atestado de morte. Uma garantia de que morreria um dia. Queria saber do cara lá de cima coisas que nunca quisera saber antes. Discutir uma possível aposentadoria e uma desencarnação imediata. Uma reunião com seu amor…

o efeito das drogas já estava passando. O feriado já estava chegando… E o natal não seria o mesmo. Nunca mais...