Pelas Ruas (último)

Publicarei aqui apenas esses três. Os outros estarão no livro a sair.

Do bar saíam algumas figuras trôpegas, rindo e dizendo coisas ininteligíveis. Outros chegavam, sóbrios e com ar circunspecto, acomodando-se nas mesas. Garçons deslizavam de um lado pro outro, num movimento frenético típico de uma sexta-feira. Os desvirtuamentos do trânsito deixavam claro a temperatura da noite. Todos ferviam pelas ruas em busca de alguma coisa, afinal ansiamos por ocupar aquele nosso vazio, emblema do périplo existencial que crava no Ser o signo cruel da sua eterna e infrutífera insatisfação. É graças a esse vazio irremediável e impreenchível que os bares, as igrejas e os manicômios estão sempre cheios, é por ele que os poetas escrevem, que os artistas criam, que outros fazem política, instituições, tudo. Penso mesmo, neste meu delírio, que os bêbados tentam, com o copo lotado, nele locupletar-se, mas inutilmente. Enquanto se dava aquela formidável movimentação, alguém, isolado no quarto de seu apartamento, deixava-se vencer. Todas as tentativas de se refazer e realizar-se em diversas modalidades haviam sido coroadas com um enorme insucesso, mostrando nosso destino sisifiano. Seu olhar calmo, com uma total ausência de qualquer emoção, fitava o indefinido. Não havia som algum no ambiente, a luz provinha de um abajur com regulagem no modo mínimo, o que emprestava ao quarto um tom mortiço. E ali, naquele espaço, em total contraste com a esbórnia exterior, um ser apagava a luz e, na imensidão do prédio alto, uma luz se apagava, uma única luz. Lá fora rebrilhavam multidões de luzes artificiais. Uma sirene rasgava a avenida, como a insinuar a absoluta gravidade e urgência da vida, desencontrada como ruas que se cruzam e não levam ninguém a lugar algum.

Sarauvirtual
Enviado por Sarauvirtual em 22/10/2019
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