Desencanto.

Com o suor e as lágrimas da classe média Alice formou-se em artes! Audaciosa logo conseguira uma escola pública para lecionar enquanto tecia contatos e meios de expor seu trabalho. E assim o ímpeto de sua mocidade a conduzira as mais diversas galerias, praças eventos de arte. Todavia, fora assim no exercício de sua paixão que Alice desenvolvera o mais temível de seus pavores! Vítima de sequestro relâmpago na saída de sua primeira exposição Alice conheceu os piores desencantos de ser a eleita do acaso para sofrer as mais diversas humilhações. Desde amordaçada, arrastada pelas ruas, imobilizada e coagida a efetuar saques bancários a fim de preservar sua vida! E assim as marcas de seu desespero deram origem a sua extrema aversão ao outro!

De cortinas fechadas Alice desistira de sua arte, abandonara as aulas na escola pública e se condenou ao cárcere de sua existência. E assim no escuro do quarto Alice rendia-se aos seus pavores diurnos, o receio de atender a porta para o entregador, a aflição sem some que se evidenciava nos suores em suas mãos! Sem falar no peso de tantos escombros que se depositava em seu peito! Era o brado retumbante da morte a alertá-la em suas saídas obrigatórias para consultas com o psiquiatra, nas filas dos supermercados! Tudo tornara-se uma ameaça para Alice, após o limite da porta estava o inconquistável, na incógnita dos olhares em um simples passeio, na violência dos perfumes desconhecidos , no enlaço afável dos casais. Todo gesto era passível de suspeitas, pois quem te abraça é o mesmo que esfaqueia pelas costas! E assim deste modo Alice viu sua relação de três anos com Marcus, um professor da escola, ruir! O pobre rapaz não fora estável o suficiente para lidar com os seus surtos de pânico, com o pesar de cinza eterno impregnando todas as paredes do quarto!

Logo, Alice desenvolvera o vício de se auto diagnosticar e se receitava calmantes enquanto assistia a mil vídeos de auto ajuda na internet! Em seus momentos de bom ânimo pesquisava sobre inúmeras viagens de fato não conseguiria fazer. Era sua válvula de escape entre a incoerência de um gole de café e um cigarro para silenciar as vozes que surgiam no ritmo do badalar de seu velho relógio de parede! Ecos do seu passado a plantar um nó em sua frágil consciência! Certo dia quando espiava a rua pelas frestas da janela telefonou a polícia relatando uma possível invasão a sua residência. Infelizmente, os policiais apenas a encontraram desequilibrada com tremores pelo corpo e uma rígida falta de ânimo provocado pelo excesso de calmantes.

E assim no escuro letal de uma nova cilada Alice provoca suas vozes internas com o canto fúnebre de suas dores desafinadas. Afinal, a vida lá fora resumia-se a isto um eterno desafinar dos homens que se esfregam nojentos pelos becos da cidade! Todavia, Alice sentia falta dos arranjos em sua casa, das peças de artesanato antes dispostas pela sala. Da paixão intrínseca aos beijos de Marcus, dos murais feitos pelas crianças de sua classe. O que falar então das idas a exposições e eventos de arte? Tanto pranto por nada, tudo isso tornara-se apenas reflexos de sua vida passada! Em seu presente apenas Ecos e vozes, murros e golpes em ponta de faca! E eram tantas frases, de inúmeros significados, promessas de um futuro de sossego!

_ Morra, acabe com isso agora!

Era apenas isto que em coro todas as vozes suplicavam! E assim atormentada pela incerteza do atrás da porta, pelas horas em claro sem sono Alice resigna-se a cumprir o ordenado! Dirige-se até a cozinha e abre uma garrafa de vodca e começa a beber, vorazmente, abre três frascos de seu remédio mais pesado. E com as mãos tremulas e a cabeça recostada ao braço do sofá Alice adormece! Naquela noite morrer podia esperar!

Buendia
Enviado por Buendia em 02/08/2019
Código do texto: T6710768
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