A BAIANA - Cap. V
A BAIANA
V
Domingo, dia muito especial para todos os namorados. O dia de mais disponibilidade, o dia em que se juntam todos os ingredientes para um feliz dia de namoro. Este domingo não vai ser diferente para os nossos conhecidos namorados.
Logo pela manhã, missa rezada pelo Sr. Padre Lira, na igreja matriz, com elevada presença de fiéis. Resta lembrar que ao Domingo e particularmente na hora da missa dominical as pessoas se apresentam com as suas melhores roupas vestidas, que guardam nos seus roupeiros com esmerado carinho. Ritual que se cumpre com mais acuidade nas classes pobres, carentes de roupa em quantidade e qualidade.
Os parezinhos de namorados encaminham-se vagarosamente para a igreja, rua acima, com grande pavoneio e muita inveja de permeio, entre os mais vaidosos.
Então a Josy, não se evadia desses preconceitos e em passo cadenciado acompanhava Francisco lado a lado. O reparo era feito pelos outros pares de jovens que entre si faziam os mais díspares comentários.
Antes da missa começar as pessoas com relações afectivas mais fortes, saúdam-se e conversam sobre temas diversos. Logo que se apresta para o início do acto litúrgico, entram para a igreja, tomam as suas posições habituais e só se retiram para receber a comunhão, com regresso ao lugar primitivo.
Estiveram neste caso também os namorados Josy/Francisco, que foram corredor acima, até junto do altar, para receber a comunhão. Logo ali o reparo foi geral.
Josy apresentava-se esmeradamente vestida com a roupa comprada na Benetton dias antes e que propositadamente estreava no dia de hoje, dia da festa de aniversário da pequena Otília e onde Josy e o namorado vão estar a convite da tia Micaela.
Acabada a missa, repete-se o ritual de conversas, desta vez sem a presença de mulheres que se afadigam no regresso a casa a pensar no que vão fazer para o almoço.
Os pares de namorados aproveitam o regresso às suas casas para namoriscarem mais um pouco.
Micaela despediu-se da sobrinha e de Francisco apressadamente, para se dirigir a casa, afim de dar início ao almoço que iria reunir cerca de vinte pessoas e que muito iria alegrar a pequena Otília.
Francisco entrou no Abstratus Bar, comprou chiclets que dividiu com Josy e que esta depois de mascar, fazia enormes balões que se lhe colavam à cara e que provocava risada entre eles.
Continuaram o seu passeio de regresso a casa. Despediram-se com um beijo e seguiram seus caminhos para mais logo se voltarem a encontrar.
Francisco ainda foi a casa cuidar melhor do seu visual, uma vez que hoje ia ser o dia da sua apresentação à família de Josy.
O Sr. Matos, pai de Josy não conhece o namorado da filha. Apenas o conheceu em pequenino, quando ia ao Paulo alfaiate para fazer roupa. Agora já não manda fazer, compra nas lojas de pronto-a-vestir.
Com certeza mostrará interesse em conhecer o futuro médico e genro, e que ele sabe ser bom moço, do que tem ouvido quando se desloca até ao Abstratus Bar, quando lhe é posta em conversa o namorico da filha, que ele discretamente dá atenção, sem que uma ponta de vaidade se faça notar nas pessoas que com ele se encontram.
O almoço está aprazado para as 14.00 horas, um pouco mais tarde de que o habitual, mas a quantidade e qualidade do repasto justifica.
Por volta das 13.30 começam chegar os primeiros convivas. Cada par trazia debaixo do braço o presentinho para oferecer à pequena Otília. Os convivas sem par traziam também presentinho. Estavam neste caso os primos André, Edvaldo, Miguel e Felícia, todos irmãos mais velhos de Josy. Os padrinhos e tios de Otília, o casal Beatriz Matos e Claudino Guerreiro, trouxeram uma Play Station e o bolo de aniversário. Os pais de Josy, Gertrudes Moreira e Olegário Matos, tios da aniversariante, ofereceram uma grande boneca que mexia os olhos, chorava e ria.
Entretanto a hora de almoço aproxima-se e nada de Josy e Francisco. Micaela mostra grande preocupação. Diz que a comida é boa, se for comida quente. Ligaram para o telemóvel de Francisco, mas este não estava ligado. A preocupação começa a generalizar-se a todos e D. Beatriz acalma-os, achando que se deve aguardar um pouco mais. Diz ela, que poderá ter acontecido qualquer imponderável, por isso não vê razão para se mostrarem preocupados.
Eram 14.10 horas, chegam Josy e Francisco, os quais pedem imensas desculpas pelo atraso e pelo facto de não terem telefonado, devido a terem a bateria do telemóvel descarregada. Quanto ao atraso, deveu-se ao facto de quando Francisco estava a lavar os dentes, a torneira da água ter aberto com muita pressão e lhe ter molhado as calças. Teve de esperar que a mãe, a Sr.ª Ludovina lhe passasse outras. Estas justificações foram entendidas e Micaela aproveitou para lhe dizer em tom de graça que viesse sem calças. A risada foi geral.
Findas estas justificações, foi feita a apresentação de Francisco, que acompanhado sempre de Josy teve na anfitriã, Micaela, o papel de apresentadora. Sempre muito bem disposta, apresentava o Francisco aos convivas, como o Dr. Francisco, o que muito o envergonhou.
Passado este mau momento de Francisco, dá-se início ao repasto. Dele constava de entradas: bolinhos de bacalhau à portuguesa, orelheira de escabeche, croquetes, rissóis de camarão, mariscada diversa e saladas. O almoço propriamente dito de: o inevitável acarajé, grelhados de carnes diversas, uma feijoada de feijão preto e uma parrilhada espanhola. De sobremesa doçaria e fruta da época. A carta de vinhos era de muita qualidade, nela constando vinhos portugueses do Alentejo, da Herdade do Esporão e da região Douro e vinho espumante da Bairrada.
O almoço decorreu brilhantemente. Os familiares de Josy cochichavam entre si, falando de Francisco, da sua elegância, bem falar e educação.
A Felícia, irmã de Josy, enaltecia o brilho rutilante dos olhos muito pretos de Francisco, e dizia com algum pesar não ter tido a sorte de ter arranjado um namorado assim. Uma pequena e saudável inveja de felicidade pela irmã Josy.
Os pais de Josy estavam radiantes mas comedidos nas apreciações, se bem que a D. Gertrudes por vezes deixasse escapar sinais de felicidade que os seus olhos não eram capazes de esconder.
Mas alegria alegria era a Micaela. Não já pelo aniversário da filha, mas pela entrada no seio da família de um novo elemento.
Sempre pronta para a chalaça, de quando em vez dirigia-se a Josy e em voz alta dizia: Ai Josy, com um homem destes, não sei se seria capaz de dormir… Era só marmelada…
Escusado será dizer. A sala encheu-se de gargalhadas estridentes.
Josy deitou a mão à cara como que envergonhada. Francisco esboçou sorriso.
Micaela está viúva há cinco anos. O marido morreu em acidente nas obras da construção da ponte Vasco da Gama, em Lisboa, para onde tinha vindo trabalhar na empresa Soares da Costa. O falecido era irmão de Olegário Matos, pai de Josy.
Está agora com uma pensão de viuvez que dá para viver e criar com conforto a pequena Otília.
Apesar do momento, que lhe fazia aqui ou ali lembrar o falecido, Micaela exibia sempre bom humor. Na primeira oportunidade lá estava ela para a piada insinuante. A última foi demais.
Oh Josy, não vais ter tempo de ganhar teias de aranha. Ela riu de si mesma desbragadamente e fez rir toda a gente.
O casal Beatriz Matos e Claudino Guerreiro mantinham uma compostura mais discreta, exibindo suaves sorrisos das chalaças de Micaela.
A pequena Otília, passou parte do tempo de colo em colo, tendo mais demoradamente estado no colo de Francisco que a foi mimando, chamando-lhe de prima.
Pela alegria esfusiante de todos e particularmente de Micaela, dava para perceber que as garrafas de vinho já não deviam estar todas cheias.
Como houvesse ainda muitas sobras, Micaela insistiu para se repetir e virou-se para todos e disse que era uma pena não comerem. Que se iria estragar.
Olegário foi o único que aceitou repetir. Lá no fundo, o que ele queria não era comer mais, mas sentir a proximidade da cunhada viúva. Aproveitou, soltou um disfarçado galanteio que Micaela recebeu com aquiescência. Olegário pensou que ela aceitaria os desafios que o seu imaginário há muita tempo produzia.
Entretanto Micaela havia-se retirado para a cozinha. Como demorasse, por estar a arrumar algumas louças que estorvavam em cima da mesa, Olegário começava a sentir saudades de a ver. Lembrou-se de criar um facto novo para a voltar a ver. Simulou ida à casa de banho, que se encontra ao lado da cozinha. Levantou-se e de caso pensado entrou na cozinha e disse-lhe que ela estava muito bonita.
Micaela sorriu. Olegário trincou a língua em sinal de desejo. Aqueles olhares interiorizaram-se para sempre.
Regressa à mesa, senta-se ao lado da mulher Gertrudes, e puxa conversa acerca de Micaela.
- Não sei como a nossa cunhada ainda não arranjou um homem.
- É porque não quer. Que se deixe estar. Está muito bem. Com a pensão que vem de Portugal é uma senhora.
- Ora ora… É uma senhora …De que lhe serve o dinheiro se não tem um homem para passear, para a mimar, para lhe dar carinho.
- Carinho. Ai tu dás-me muito. Tá bem tá. Com o teu, posso eu bem.
- Estás a desconversar. Já sabes que ela é nova. Ela ainda deve ter muito vício.
- Oh, cala-te com essa conversa nojenta.
Gertrudes, tomou em atenção a última frase proferida pelo marido – “Ela ainda deve ter muito vício”.
Olegário percebeu que a mulher não gostou da sua conversa. Disse para ele mesmo: Terei de ser cauteloso quando falo de Micaela, não vá ela desconfiar dos meus propósitos.
Entretanto Micaela regressa à sala. Vai ligar o sistema HI-FI e põe a tocar música sertaneja. Primeiro, Rionegro & Solimões e a seguir Guilherme & Santiago.
Convida toda a gente a dançar no terreiro exterior, sob a sombra das palmeiras. Foi aceite o convite. Organizam-se pares para dançar. Micaela em voz alta disse que queria dançar com Francisco. Este aceita. Josy dança com o pai. Felícia dança com a pequenita Otília. Os outros sentam-se em cadeiras de jardim a apreciar os dotes de dança, especialmente de Francisco.
Micaela muito experiente em dança sertaneja puxa por Francisco, mais habituado a dançar músicas de discoteca. Francisco não consegue acompanhar o passo de dança com a qualidade de Micaela. Esta ri-se. Disse que se fosse com o “sogro”dele, outro galo cantaria.
Francisco desmobiliza, vai buscar Olegário para dançar com Micaela e fica a dançar com Josy.
Foi o que Olegário quis. A mulher assim não viu má intenção no marido, uma vez que foi Francisco a fazer o convite.
Olegário dançou enquanto os instintos o permitiram, discretamente. Depois começou a pronunciar pequenos sussurros ao ouvido de Micaela. Esta estava feliz. Há muito que um homem não a fazia sentir-se mulher. Logo ali o cunhado. Sim, o cunhado que mais se parecia com o falecido. Tudo nele o fazia recordar.
Pequeno e insonoro dialogo se travou entre os dois.
- Cunhada, você está uma fera. Gostava de sentir as suas garras.
- Cunhado, você é casado. Tenha juízo.
- Minha cabeça há muito que está em si. Eu era o homem que melhor te faria lembrar o falecido
- Não fale assim. Deixe o falecido estar em paz.
- A minha Gertrudes já não me dá prazer.
- Oh, cale-se. Não diga asneiras. Quem lhe comeu a carne que lhe coma os ossos.
Este pequeno dialogo vai pôr Micaela a pensar na sua vida. Disse para si mesma: Meu cunhado é um homem interessante. Faz-me lembrar o meu falecido Januário. Quem sabe se um dia ele não será meu. Afinal a minha cunhada Gertrudes é mais velha do que eu 15 anos. Poderá morrer e depois Olegário pode ser meu.
Mais reflectidamente, achou de mau gosto os pensamentos que lhe ocorreram e que a cunhada Gertrudes tenha uma vida longa, que bem a merece.
Afinal também posso ter o Olegário meu, desde que não se saiba, sem esperar que Gertrudes morra.
Se Olegário me fizer uma proposta, não vou deixar passar a oportunidade. Tenho 35 anos. Sou uma mulher carente e esse homem faz o meu desejo.
Fez-se um intervalo no baile para lanchar. Conversou-se. Meia hora depois começam as pessoas a desmobilizar. Estava a festa de aniversário terminada.
Otília quis beijar toda a gente. A felicidade estava-lhe estampada no rosto, assim como no de sua mãe. Desde o falecimento de Januário que não se faziam festas naquela casa. Os namorados agradeceram a especial atenção de que foram alvo. Não esqueceriam mais os bons momentos passados e a bonita integração de Francisco no seio da família.