Sine qua non
Não tendo outra atividade, iniciou com pouco talento a escrita de contos. E nada tinha para dizer entre suas linhas, faltava claro, palavras. As angustiosas palavras!!! O padeiro sabe fazer pão, o pedreiro levanta muros, paredes e se tiver talento, constrói pequenos palacetes com varandas para o Mar, caso alguém precise de um bom construtor, posso indicar alguém...
Perdoem-me a digressão...
Espero que vocês compreendam! Pois tive um pouco de dificuldade para entender as questões apresentadas por aquele contista...
Em primeiro lugar, se faz necessário dizer que um fato extraordinário aconteceu com ele, pouco antes do nosso encontro. Faltando dois dias para o início da quaresma, o jovem escritor estava em casa assistindo seu programa de TV favorito, sentando em sua poltrona de couro, embalado tal como uma criança no colo da mãe, quando de repente ao fechar os olhos,tirou um breve cochilo.
Até aí, tudo em perfeita ordem, nada de novo! Mas, ao recobrar a consciência, ou parte dela, quando despertou, colocou a mão em sua testa e percebeu que sua temperatura estava alguns graus a cima do normal. Lembrou-se do sonho que tivera e saltou da poltrona, caminhou apressado para a sua máquina de escrever.
Tivera um encontro com o Divino! Uma iluminação!
E para não esquecer precisava registrar o fato com riqueza de detalhes, atento a todas as atenuantes, para que nada ficasse de fora. Ajeitou a folha em sua velha máquina, a folha estava em branco, olhou para as teclas, mas a visão divina que tivera, a poucos segundos, não permitiu que o jovem escriba datilografasse nenhuma palavra. Nenhuma palavra se quer!
E quando veio me procurar, pedindo ajuda para publicar seu enigmático livro, fiquei realmente embasbacado! Ele queria que eu o lançasse com uma tiragem inicial de best-seller. O livro que este jovem me apresentara, tratava-se de um tomo de aproximadamente quinhentas páginas, só tinha uma pequena questão...
As páginas estavam todas em branco, nenhuma palavra se quer!!
Lembro-me dos argumentos daquele jovem tentando me convencer que o Sagrado, ao se revelar em sonho, tinha o orientado a escrever um livro sem palavras! Mesmo com toda a discussão teológica que este trabalhou apresentava, fui obrigado a declinar. No entanto antes tentei convencê-lo da necessidade de escrever ao menos algumas palavras, uma dedicatória ou notas de rodapé para explicar as passagens mais nebulosas da obra, para que as terem ao menos uma visão conceitual da sua obra, fato que casou repulsa no jovem escritor! Travamos intenso diálogo, mas não tive sucesso algum.
Por fim, expliquei que o seu livro tinha muitas páginas e que não tinha orçamento necessário para publicar mais que trezentas páginas. Ele disse que o seu trabalho era rigoroso e que não poderia tirar uma página sequer. Nos despedimos e fiquei observando sua partida, lá se ia um escritor à frente do sue tempo, um escritor que não precisava de sequer nenhuma palavra!