Reescreva
Garoto, minha mãe me falou algumas coisas quando eu era mais nova. E talvez eu queira falar para você, nos seus momentos mais cabisbaixos, ou quando achar que nada vale o esforço. Mas minha mãe me falou para não jogarmos com o coração das pessoas, e é desse jeito que deve ser. E talvez seja verdade. Garoto, eu sonhei muitas coisas para você. Eu queria que o medo não atravessasse seu corpo, e dizer palavras suaves para manter seu coração calmo. Mas não se pode fazer muita coisa quando o começo é apenas... o começo de tudo. Tem algumas coisas rodeando na minha mente, e dizer elas parece-me não ser o suficiente, não o quanto poderiam ser, e talvez não sejam palavras que devam ser ditas de mim para você. Algo me diz, que são coisas que se aprende com o tempo. Eu sonhei com um homem sozinho, na beira da estrada, vagando em meio a um céu estrelado. Parecia você... fiquei preocupada, pensei que poderia fazer alguma coisa. Mas não se joga com o coração das pessoas, e eu não tive motivos fortes para tentar pensar o contrário. Talvez seja realmente o seu futuro, e daqui pouco tempo, não seja tão importante para mim, talvez passe a ser para outra pessoa que esteja sendo isca dos seus jogos... mas tudo bem garoto, a tendência é sempre ficar melhor nos nossos hábitos, num dado momento você acertará a isca.
Sabe, tente imaginar, quando uma gota cai no mar e faz ondas pequenas, igual nos filmes. Por alguma razão garoto, essa imagem me lembra você, e muito em breve, não vai mais lembrar. Triste. Mas como tudo na vida deve ser, fugaz. Mesmo que machuque um pouco, com o tempo são coisas que começamos a esquecer, até realmente um dia, se tornarem só vagas lembranças. E, por muito tempo eu quis esconder de você, que eu não queria guardar lembranças... mas os nossos medos sempre se tornam reais, e talvez o meu tenha se tornado. Sabe, você é só um menino que um dia pensou saber quem eu fosse de verdade. E eu só sou mais alguém, que um dia pensou que soubesse algo de você. No fim, não somos nada mais que... erros repetidos. Reescritos.
Garoto, eu cresci uma infância meio perturbada, minha mãe era dura demais com as palavras. Meu pai era muito bom. Mas tudo fugia do controle em todos os momentos, e maior parte da minha infância eu passava sozinha, fugindo da realidade. E minha vida toda seguiu esse rumo. Isso explica muita coisa... Eu sempre odiei demais a solidão. Odiava maior parte dos meus pensamentos. Minha cabeça não era cabeça de criança, e eu sabia muita coisa de tudo. Eu sofria muito, e não havia amparo, porque tudo era quieto demais. Hoje eu pareço uma criança, eu me impedi de amadurecer com o tempo, para não perder o que tiraram de mim. E tenho tendência a acreditar nas pessoas. Como acreditei em você. E mesmo assim você disse coisas duras, um menino qualquer, disse coisas duras para uma pessoa que cresceu ouvindo absurdos. Falou coisas duras para quem cresceu na solidão.
Sabe, tente imaginar, o mar e o seu tamanho, e o quanto os olhos não conseguem alcançar... essa é quantidade de coisas ruins que eu tenho para falar para você. E não teve um dia sequer que eu não pensei em dize-las de alguma forma. Mas eu não poderia, mesmo que fossem merecidas. E elas são totalmente plausíveis. E novamente só teve uma outra pessoa para quem eu tive essa mesma sensação, e até hoje eu nunca as disse. Por motivos óbvios demais. Erros repetidos. Reescritos.
Garoto, cuidado com o homem sozinho na estrada, vagando sob um céu estrelado. Espero que tua dor não semeie, nem crie raiz. Espero que encontre um motivo para ter o coração tranquilo, e enxergar o mundo com olhos leves. Espero que os céus tragam alegrias que não trouxeram antes. Espero que as noites sejam quentes, e os dias cheio de vida. Espero que um dia veja o mundo com seus próprios olhos, com o coração aberto. Mas eu sei que palavras não mudam nada, não na sua vida.
Sabe, tente imaginar... a imensidão do céu... e o que você... significa.