O EXTREMO TERROR DO "SÉCULO SANGRENTO"
A maioria das pessoas lembra-se da infância com um ar de bem-estar, com uma alegria indescritível e com momentos surpreendentes. Infelizmente, o meu início de vida não foi bem assim. Cresci em meio à guerra e a censura, em meio à opressão e à falta de liberdade. Nasci em pleno século XX, nos estrondosos anos em que Adolf Hitler comandava o meu país, e não bastasse isso, comandaria quase o mundo inteiro.
Meu pai era um militar renomado, homem trabalhador. Sempre tive muito orgulho do exemplo que tinha em casa. Na minha escola o discurso era sempre o mesmo, de que Adolf Hitler era como um “messias” para a Alemanha. Os anos passavam e o nacionalismo expandia-se rapidamente por todas as escolas. Ouvia minha professora proferir algo como que judeus, ciganos, comunistas e sociais democratas contaminavam a Alemanha. Ouvi horrores sobre esse “grupo” de pessoas. A lavagem cerebral era imensa, pois algo quase que milagroso era ver um daqueles alunos protestarem contra a barbárie falada sobre aquelas pessoas. Pois bem, protestar era algo inaceitável.
Certo dia encontrei uma garota desesperada, seus pais estavam sendo levados para algum lugar que eu até então desconhecia. Recordo-me de perguntar o que estava acontecendo e ela tristemente olhou nos meus olhos e disse: “Eles são uns monstros”. Eles? Pasmem! Naquele momento avistei o meu pai. Será que o meu pai era “eles”? Aquela garota estava aterrorizada, ela seria levada também. Mas, onde seria aquele lugar? Por que o meu pai era um monstro? Naquele momento decidi que seguiria aquelas pessoas, eu precisava saber. Acabava de completar os meus 18 anos e vivia cego em um mundo que me ensinaram a amar e ser obcecado por um homem que me incentivaram a gostar.
Coloquei o chapéu sobre o rosto e parti em busca da verdade. Meu pai, o homem que considerei o meu herói por anos e anos levava essas pessoas para um lugar assombroso. Tudo era muito estranho, com cercas ao redor de imensas construções feias, onde as pessoas pareciam viver em coletividade. Todas trabalhavam juntas. Elas usavam roupas listradas, todas iguais. De início pensei que poderia ser algum tipo de refúgio para os mais necessitados, mas o balde de água fria atingiu-me seguidamente.
Um homem com olhar cansado e triste dirigiu-se à mim. Eu estava ao lado de fora da cerca, escondido. Ele primeiramente perguntou o que eu estava fazendo naquele lugar. Disse que segui os militares escondido para saber onde levavam tantas pessoas. Ligeiramente perguntei o que era tudo aquilo. Ele com os olhos cheios de lágrimas, respondeu: "Campo de concentração Niederhagen". Vi as lágrimas caírem de seus olhos quando perguntei o que eles faziam lá. Ele me disse que era prisioneiro e ali devia trabalhar todo santo dia. Disse que Adolf Hitler havia feito tudo aquilo. Fiquei pasmo e perguntei por que ele estava aprisionado. Ele respondeu-me que era pelo fato de ser judeu.
Aquele homem saiu de minha frente como um relâmpago ao ver os militares chegando ao campo. Naquele momento um filme passou pela minha cabeça, começando pelo meu pai, sempre orgulhoso de sua profissão, sempre honrando Adolf Hitler. Fui criado em meio ao nazismo, em meio à ascensão daquele homem que era vangloriado nas escolas e dentro de minha casa. Seu nome era proferido com o adjetivo de salvador, o homem que tirou a Alemanha do caos. Senti-me tolo ao perceber o quão ignorante fui.
Seria um tanto doloroso falar como reagi a tudo isso, o quanto sofri ao repreender o meu pai. Relato apenas que saí de casa sem dar notícia alguma. Fui morar na Polônia, acompanhei de perto a tortura dos que viviam no pior campo de concentração da História. Escolhi tal lugar para tentar ajudar os que ali estavam presos. Foi algo arriscado, no entanto, consegui salvar 900.000 crianças judias, mandando-as para os Estados Unidos e outros países que as acolheram. É uma pena não poder ter salvado seus pais, mas sinto-me feliz em ter salvaguardado uma geração, que neste momento estaria morta.
Auschwitz, maior símbolo do holocausto, localizado na Polônia. O maior dos campos de concentração nazistas, consistindo de Auschwitz I (Stammlager, campo principal e centro administrativo do complexo); Auschwitz II–Birkenau (campo de extermínio), Auschwitz III–Monowitz, e mais 45 campos satélites. Nesse horroroso campo de concentração, pelo menos 1,1 milhão de judeus foram mortos. Além do mais, muitos experimentos científicos envolviam estudos com gêmeos, e, se um dos irmãos morria o médico imediatamente matava o outro para poder conduzir necropsias comparativas.
De fato, a maldade humana ultrapassa limites. Matar alguém por sua escolha religiosa, política e até mesmo aparência é de uma crueldade insana! A pior doença que existe na humanidade é o preconceito e a intolerância. Não fiz o suficiente, mas o que poderia fazer. Meus olhos enchem-se de lágrimas ao pensar que agora, com 90 anos de idade, as crianças que salvei tornaram-se adultos saudáveis e pessoas que fazem a diferença.
Acabo o meu relato de vida lembrando-me de quando fui morar na Polônia. Novamente o velho homem com olhar triste e lágrimas nos olhos apareceu em minha frente. O homem que me informou sobre os campos nazistas estava agora em Auschwitz, no campo de extermínio. Ele viu-me escondido, como da última vez. Aquele triste ser humano olhou em meus olhos e disse: “Sei que vou ir para o céu, pois o inferno é onde estou”. Logo após ele foi conduzido ao holocausto.