Quase cidadãos!

O encontro na porta da escola era sempre um dos melhores momentos. As conversas fluíam livremente. As informações sobre as provas, os trabalhos, as atividades eram socializadas com alegria, principalmente para falar das boas notas obtidas. Mas havia também as conversas sobre os namoros, os fuxicos, as notas ruins.

Ao primeiro movimento de abertura do portão escolar os estudantes iniciavam o percurso rumo às salas de aula. É certo que havia um pouco de correria, mas tudo dentro da normalidade. Fora uns empurrões (coisas consideradas normais aos quase adolescentes), a escolha da carteira e o sentar-se no mesmo lugar era rotina.

O início da aula era um dos momentos mais esperados. O que os professores trariam de novidade? O que se aprenderia em cada disciplina? Como dar ouvidos e atenção a cada professor durante as aulas? Essas eram as expectativas que inquietavam aqueles jovens cidadãos nos espaços escolares. Assim se repetia a rotina escolar.

Em mais um início de ano letivo, um dos adolescentes, rapaz quieto, começara a frequentar aquela escola para estudar o ensino fundamental de segunda fase. Naquele dia, quase findando o primeiro mês de aulas, logo após chegar à sala de aula ele fora convidado pelo Serviço de Orientação Escolar para explicar o motivo de não estar vestindo o uniforme escolar. Sua conversa branda não convencera a funcionária da escola que o ameaçara de ficar fora da escola se não viesse com a camisa correta, a que constava o nome do colégio e do governo. Por três dias o jovem adolescente ficou em casa. Aos pais, dissera que não haveria aula naqueles dias. Na verdade, ele estava mentindo.

Logo no início do quarto dia um bilhete levado por um colega questionava o porquê de suas ausências às aulas. Os pais, uma família de situação financeira muito pobre, descobriram que o filho não estava indo às aulas porque não tinha o uniforme padrão. Na verdade, as roupas que ele possuía eram apenas umas três camisetas, uma calça e dois shorts. Além dele, havia também quatro irmãos. Eram pobres e estavam impedidos de ir à escola por falta de roupas adequadas. É o uniforme que dita o que é ser um cidadão digno ao estudo? A escola foi elaborada para ricos ou para todos? Deixará ele de frequentar a escola? A família dependia do Bolsa Família.

Animadamente, na sala oposta, um adolescente de cabelo liso e olhos amparados por um par de óculos dava os primeiros sinais de um estudante vestido a caráter. Camisa e calça de uniforme. Tudo padronizado. Cadernos novos, canetas, lápis. Esse fora certa vez elogiado pelos professores e demais funcionários da escola por sua postura estudantil. Na verdade, por seu perfil de roupas padronizadas. Estava sempre de uniforme.

Era ao barulho de cinco ventiladores que aqueles adolescentes tentavam assimilar os conteúdos de cada disciplina. O calor não permitia uma concentração adequada. A sala era pequena. Em aproximados 36 m2 e o suor de 40 estudantes exalava o odor de esperança. O espaço destinado ao professor comportava uma mesa e uma cadeira, os quais limitavam sua locomoção. Mas de lá conduzia os estudos à esperança irradiada dos olhos daqueles adolescentes.

O lanche, um copo de suco com seis bolachas, era um momento de alegria para aqueles pequenos cidadãos. Para boa parte dos que estudavam esse lanche era a primeira refeição do dia. O recreio, limitado pelo espaço físico, era também um dos melhores momentos. Alguns corriam, outros jogavam bola e outros se desentendiam trocando piadas, socos, agressões, Bullying.

A reprovação era para boa parte dos professores o discurso de justiça. Os alunos precisavam ficar reprovados para “aprender a valorizar os estudos”.

No final do turno letivo os olhos daquele adolescente estavam explodindo em alegria. A certeza de ter aprendido um pouco mais sobre gramática, matemática, história, ciências indicava a possibilidade de ingressar no ensino superior. Apesar desse ânimo, o índice de aprovação, que embora limitado a 48%, indicava a realização de um trabalho duro, de um trabalho sério realizado pelos professores, pela escola. No entanto, será que a escola saberia o motivo dos 52% de alunos reprovados.

Será que aquele adolescente sem a camisa do uniforme oficial estaria entre eles? Como a escola está lidando com a situação dos alunos pobres, bem como daqueles que vivem em condições de extrema pobreza? Será que eles não podem frequentar a escola, apenas por que não têm o uniforme?

Em resposta aos impedimentos burocráticos que regem o acesso à escola, no encerramento do ano letivo os pais daquele adolescente foram para receber o boletim escolar de seu filho. O resultado constava a situação de "aprovado", apesar do ter enfrentado o sistema, bem como em ter lidado diariamente com a baixa condição financeira da família. Às vezes, não basta ter uniforme, é necessário persistente e objetivo naquilo que se quer alcançar.

ARN-TO, 28/01/2019

Rubens Martins
Enviado por Rubens Martins em 29/01/2019
Reeditado em 14/04/2024
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