Os papéis
Deixe-me sozinho com ele.
Assim, através de uma frase curta, de forma direta, fez com que todos deixassem a sala. Vestia-se formal, usava terno, gravata, sapatos engraxados e um broche. Portava uma maleta com documentos, assinaturas e certamente dinheiro. Sentou-se à mesa, tirou alguns papeis da mala e os colocou em cima da mesa.
Assine e terminaremos logo com isso.
E cada palavra saiu com a força que somente sua boca tinha, eram autorais, mesmo sendo clichês, tinha uma certa autoridade, firmeza de coisa antiga, feita pra durar. Cada palavra, fe-i-ta -pra-du-rar. Nem todos os seres tem esta capacidade, aquela de somente dizer o necessário e não ser retrucado. A quem diga que o olhar firme dele fazia gelar, mas repito, cada palavra dele era feita pra durar e perdoe-me o excesso do lugar comum nesta prosa, ele não voltava atrás em suas palavras.
Deixou a caneta em cima dos papéis, sinalizando com o dedo o local certo para o autógrafo. E bem ali, naquela linha, naquele traço, palavras eram escritas, ou melhor, uma personalidade era grafada com tinta azul. Não interessava o nome de fato escrito no papel, tão pouco, a forma tremida de cada letra. Era a sua autoridade firme, impositiva, forte e definitiva que importava. Era o “mandar assinar” e depois recolher a assinatura, como quem recolher flores ao chão após uma tempestade, daquelas que destrói casas e telhados , deixando apenas a fome, o frio, o desespero e o silêncio da tragédia.
Recolheu os papeis. Olhou calmamente cada página. O conteúdo dos documentos ele sabia de forma decorada, arrisco-me a dizer que de trás pra frente. A correta leitura de cada sentença nem sempre permite ter uma ideia clara sobre os fatos. A qualidade dos atores em interpretar os papéis repercute no quão brilhante será o espetáculo, não importando quem escreveu a peça. Ele sabia bem isso, sim, sabia disso.
Guardou os papeis na sua pasta, levantou-se e partiu.