Tropeiro

TROPEIRO

A galope, entra um cavalo tordilho na pequena vila, trazendo no lombo, um moço alto, robusto, moreno ensolarado. Morador de um lugarejo nos arredores do pequeno povoado, o tropeiro toca o gado de um sítio a outro. Esquecendo sua lida, de passagem pela cidade, recorda de uma moça que observara tempos atrás. Obcecado pela imagem que nunca esquecera, salta e amarra seu cavalo no centro da praça.

Em sua face, olhos ansiosos, giram de um lado a outro, fazendo malabarismos à procura de uma visão há muito esperada.

O trabalho de transportar rebanhos proporcionou-lhe o conhecimento de vários recantos do interior, como também, de cidades mais desenvolvidas enriquecendo seu dom natural de fácil diálogo no trato com pessoas e animais.

A figura altiva, vigorosa, forte, adquiria carisma especial ao relatar “causos” à beira da fogueira. O mate corria de mão em mão, ao som de uma viola saudosa, nas noites frias e úmidas de Pelotas. Ponchos respingados de gotas de sereno que escorriam devagar tal qual o tempo escoava sem pressa, sonolento, para os eternos viajantes dos mais variados rincões.

As histórias eram muitas, ouvidas nas mais longínquas regiões. Como quem conta um conto aumenta um ponto, tecia sua malha para os companheiros, com muita graça e desenvoltura.

Mas, deixando as narrativas de lado, o recém-chegado dirigiu-se à fonte, que diziam ter sido trazida da França, coisa muito chique e usual na época.

Anda, de um lado a outro, fazendo tempo, até que seu rosto ilumina-se e a boca esboça um sorriso. Aprecia a aparição de uma “santa” no seu entender. Os longos cabelos louros encaracolados, suspensos por lindos adereços, emolduravam um lindo rosto de aspecto nobre. A moça fazia seu passeio matinal ao redor da praça, acompanhada de uma escrava.

O pobre tropeiro estava apaixonado pela filha de um rico charqueador da região.

Ele, tal qual raça crioula, chamava atenção pela rusticidade, robustez e beleza natural adquirida pela mistura de várias etnias, entre elas, a indígena.

Grande contraste, aos olhos dela, com os amigos que chegavam da Europa, onde iam estudar, trazendo consigo hábitos refinados e roupas elaboradas com babados que lhes davam um “glamour” feminino.

Os olhares cruzam-se o suficiente para o rapaz sentir-se feliz. A donzela sente leve tremor e segue em frente, disfarçando seu embaraço.

No dia seguinte recebeu um bilhete, que não fora escrito por ele, porque não sabia ler, nem escrever. Havia travado amizade com um escritor que encontrara num boteco, na noite anterior, que se prontificara a escrever uma carta de amor, tocado pelo sentimento que o jovem devotava à bela senhorita. O próprio poeta vivera um grande amor que não conseguia esquecer. Mas, como vivia a fase romântica, o afastamento de sua musa servia de inspiração para seus belos poemas.

A amada levou um susto, nunca imaginou tanta ousadia e atrevimento. Não lembrava qualquer gesto que encorajasse tal atitude. Confabulou com sua melhor amiga e resolveu marcar um encontro, seduzida pela curiosidade.

Fascinaram-na a desenvoltura e facilidade que tinha em contar causos interessantes com finais extraordinários. Observava-o à distância, por entre as cortinas, pois tudo acontecia ao redor da praça central.

O pretendente era todo, o imaginado, só que assessorado pelo poeta que engalanava com versos sua prosa.

Deslumbrou-se pela aparência juvenil e criatividade do narrador de historietas, porém, não sabia que assistido, com belos poemas, pelo amigo versejador.

Encontram-se às escondidas, por um tempo. Conversam através dos respiradores do porão, onde ficam os escravos, no casarão habitado pela família da ilustre donzela.

As comadres começam a comentar e, como consequência, o romance é descoberto. O pai, raivoso, ameaça deserdar a filha e mandar para o convento. O maledicente, jurado de morte.

Sem saída, hostilizado pela família da moça, influenciado pelas histórias de “ ouvir dizer” e pelos textos românticos do escritor amigo, decide raptá-la, levando-a, na garupa, lá para as bandas do Uruguai.

Passados alguns anos, têm-se notícia, na cidade de Jaguarão, da chegada de um casal de fazendeiros que possuíam um filho chamado Francisco.

INALVA NUNES FRÓES

Inalva Froes
Enviado por Inalva Froes em 25/08/2018
Código do texto: T6429951
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