O homem, o menino e a caixa de sapatos
O leitor virou-se a tempo de ver a chegada do homem e do menino. Mãos dadas e excitação clara nos olhos da criança. Os dois adentraram o quarto, afastando as teias de aranha e cuidando para não tropeçar em meio à escuridão. Encontraram por fim o armário, guardião da pilha de sonhos, lembranças, alegrias e desamparos.
Um primeiro susto ao abrir a porta: morcegos, assustados com a movimentação inesperada, voaram rumo aos invasores. O menino já duvidava de suas motivações para a aventura. O cheiro de mofo lhe causava irritação e ele queria voltar para casa. Ele tinha medo.
O homem pousou as mãos sobre seu ombro, em gesto tranquilizador. Ele estaria sempre ali, ao seu lado.
Por fim, avistaram a velha caixa de sapatos. Em seu interior havia cadernos, folhas, bolas de tênis, carregadores de celular e mais recordações. Dentro da caixa viram pessoas, esperanças, amores e amizades. Amores-amizades, amizades-amores, todos os momentos e pessoas mais importantes.
A cada recordação, as expressões mudavam nos rostos dos dois.
O homem, preenchido pela nostalgia que lhe invadia cada vez mais fundo, deixou escapar uma lágrima. Lágrima feliz. Feliz por ter vivenciado grandes momentos. Feliz por ter sido feliz.
A criança tinha medo. Medo dos arrependimentos. Medo da vida que o esperava. Medo de viver só, de causar dor. Tinha medo, principalmente, das escolhas a fazer. Por isso, novamente, chorou. Chorou por fraqueza, por insegurança.
Neste momento, os dois olhares se encontraram e uma afirmação ficou clara: enquanto os dois caminhassem de mãos dadas, haveria sempre a certeza de que seriam completos. Talvez cometessem erros, mas nunca impensados ou propositados.
O homem então estendeu os braços, acolhendo o menino desamparado em um abraço longo e intenso. Naquele instante, e para todo o sempre, não seriam mais um homem e um menino. Seriam um só ser, pensante e sentimental. Prometeram então, sem palavras, permanecer juntos, e assim o fariam.
O leitor então, pôde desviar a atenção do livro, sem ligar para as lágrimas que desciam por seu rosto. Fechou-o e guardou-o em sua caixa de sapatos. Ao deixar seu quarto, ele foi, enfim, capaz de sentir o homem e o menino dentro de si.