Cúmplices
Andava silenciosa pela rua; o relógio marcava dezenove horas.
A rua banhada pela penumbra, meu rosto por lágrimas.
Ele já sabia que iria partir; o meu amigo, o meu “irmão”
Àquele que só vi sofrer, a vida estava oferecendo uma trégua.
E ele, pela primeira vez, decidira aceitar de bom grado.
Estava exausto, enfadado.
Eu não, eu não aceitara nada.
Desesperada, caminhei por esta rua costumeira.
Tudo me parecia mais vazio do que já o fora.
Escutei então uma voz "sorridente", vinda de um canto escuro.
- Hei, para onde você vai?
Tentei conter as lágrimas, tentei manter a calma.
Era um “estranho” conhecido a me chamar.
Voltei–me em sua direção.
E me deparei com a doçura daquele olhar.
Um soluço cortou minha voz.
Ele estendeu a mão. Eu aceitei a acolhida.
Eu estava perdendo alguém e a vida me oferecia uma mão amiga.
Uma mão que ignorava a minha aflição, a minha dor, a minha impotência diante da morte.
Fiquei ali quieta. Ele nada perguntou.
Ele fez companhia a mim e a minha dor.
Dias depois meu “irmão” se foi.
Deixou para trás seu corpo débil. Deixou a todos que o amavam.
Deixou para mim um novo “irmão”, um novo amor.
Continuo caminhando pela mesma rua.
Nas noites banhadas pela penumbra.
Ele sabe calado. Eu sei em silêncio.