Duas amigas
Com a primeira droga do dia servida, faço minha refeição. O café quente desce goela a baixo, e nada de minhas amigas ainda. É estranho podê pensar livre dos conselhos dela. Ou locomovê-me sem os direcionares da outra. Uma deseja ser meu consciente; a outra, tornar-se proprietária da minha mais intima pessoa. E sozinho sou só mais um solto que vive a resmungar.
- Então é assim que você pensa? Que sozinho não consegue fazer nada? Eu sabia! Eu sempre te avisei. - Passarelando pela sala, as palavras da conselheira me roubam a atenção.
A autointitulada noiva me abraça forte e sussurra em meus ouvidos - "Sozinho? Já disse que estou aqui para te levar comigo, para toda a eternidade. Mas ficas a me negar, com este orgulho de nada. Um dia desapareço... Porém, eu sei que me acharás".
- Como sempre, esperando o momento certo. Vocês duas não cansam de fazer suspense. - Digo as duas.
A conselheira se levanta do sofá e caminha até a porta da cozinha - "Como você é engraçado. Só basta nos ausentarmos um pouco e logo começas a reclamar, a lamentar. Esta sua solidão é, de certo modo, desnecessária. Não resolves teus problemas por falta de interesse, e ainda gostas de por a culpa em outros.".
- Você é insensível de mais. Deveria deixá-lo pensar por si só.
- Então achas que se eu me ausentar de vez, será mais fácil você o levar consigo? Não esqueça que sou eu quem encaminho boa parte dele a sentir-se provocado por sua persona. Ou eu deveria agir de forma reversa? O que me diz desta ideia?
- Não se ache tanto, garota. Eu consigo fazer meu trabalho sozinha. Este vai ser meu mais cedo do que o previsto, e suas palavras não ajudam tanto. As vezes até acho que são elas quem ainda o motivam a ser tão resistente para com meus encantos. Essas coisas de sonhos e ideias são para quem pode sustentar-se sozinho. Ele precisa ir comigo para por fim a estes impasses descabidos e surreais.
- Chega! Eu consigo ouvir e compreender ambas. Não façam pouco caso de mim. Não sei o que me deu para aceitar vocês duas tão próximo assim. Deixem-me terminar o café sozinho, preciso trabalhar hoje. Tenho um prazo para entregar essas pinturas. Se eu acabar demorando mais, posso perder outro cliente, e até tendo que devolver o que já recebi.
Não lembro direito quando elas surgiram na minha vida, só tenho a certeza de que elas vieram e nunca mais foram embora. Para piorar, não consigo me desfazer delas, me sinto solitário sem uma companhia, porém, acho que foi exagero agarrar as primeiras que apareceram. E não temos histórias extraordinárias, apenas nos aturamos, como qualquer relação normal.
Minha casa é grande, tem cômodos de sobra, então acolhi-as aqui deste aquela noite, depois do bar. Elas passaram a noite por aqui, depois sumiram, e reapareceram em visitas aleatórias, sempre quando algo faltava-me. De início, elas traziam-me inspirações, só depois que se tornaram comuns, sem o que exaltar e admirar. E nesse meio tempo já estávamos os três morando juntos. Não pude perceber quando me acostumei com a presença delas, não refleti muito sobre essas coisas, sobre o passado delas, o do porque elas ficarem, apenas supria uma necessidade e eu as aceitei.
Quando torna-se exagerado seus falatório, escondo-me no estúdio. Colho a paleta de cores, os pinceis, a tela e os fones de ouvido. Ponho uma música que me acompanhem nos pincelares. Fecho os olhos e imagino as imagens do pedido, para transpassar à tela. Primeiro vem-me o vazio. Depois surgem riscos de luzes, sem forma, que ficam alternando, variando suas cores. Elas acompanham as batidas da música e colhem pares. Dividem o palco, e as que sobram, formam uma plateia, o ambiente, a comida, as representações sonoras. E logo o tema da obra estoura. Frustração! As luzes se revoltam, pois essa não era a imagem que elas queria traduzir. O motim trás uma tempestade. O vento sopra as palavras delas - "inútil", "sozinho", "incapaz", "insuficiente", "fraco", "dependente", "podre". O reboliço abre-me os olhos, foi mais uma tentativa em vão, o prazo será prorrogado, novamente. Só me resta secar a testa e os olhos, a alma encontra-se enxuta tempo de mais.
Ao retornar para a sala, sento no sofá. Olho o espaço da casa, os quadros completos nas paredes, de outros artistas. A distribuição dos móveis pelo decorador. A perfeição dos cômodos pelo engenheiro. Os móveis pelos carpinteiros e alfaiates. A entrega pelas empresas. Os valores decididos. Os azulejos estupendamente distribuídos, seus traços e cores equilibrados. E minha presença em desarmonia com todos estes aspectos.
- Já encerrou?! Novamente não conseguiu nada, não é? Assim terás que devolver o dinheiro recebido antecipadamente gastos com bebidas. Será lastimante suas desculpas, ainda mais porque não tens como devolver. Acho que deverias voltar e ficar trancafiado lá para mais alguma tentativa. Tens até amanhã para entregar pelo menos um esboço prático da tela, e assim poderias inventar alguma desculpa para aumentar o prazo. Porque, da forma que estás, sem nada, só haverão reações negativas e mais descrenças em suas tais "habilidade". - acerta-me com uma flecha de verdade ao meu falido orgulho, essa conselheira afiada.
- Esqueça-a e venha comigo. Se viés, não tens que entregar ou devolver nada. Será tudo perdoado. Lhe garanto estabilidade emocional, nunca precisará preocupar-se com finanças e estará livre de qualquer trabalho. Serás livre para seguir da forma que desejas, sem nada para empatar-te. Venha, vamos fugir desta realidade, deste mundo caótico! - Disse-me está adorável noiva, que sempre sussurra-me ao ouvido, abraçando-me perto do pescoço, de forma tão acolhedora, tão encantadora.
Penso que deverias voltar ao trabalho, mas esta liberdade é altamente recepcionante. Meu orgulho vibra em agonia pelo ferimento tomado, e pede mais uma chance, a última, se lhe fosse possível. Passo a mão no rosto, desabraço esta louca noiva e sigo em silêncio para o estúdio mais uma vez.
A tela em branco seduz-me novamente, desejando profundamente ser marcada. As tintas vibram em animação e apoio à mim, elas desejam serem misturadas e usadas pelos pinceis, dançarem sensualmente pela tela e deixarem sua marca quente na história, inspirando quem as vejam. Os pinceis encontram-se eretos, reluzentes como nunca, em uma rigidez incompreensível. E só existe a mim que impossibilite este swing de acontecer. Somente minha pessoa pode dizer não a este obsceno processo.
Ponho-me diante da tela, com a paleta de cores, tintas a postas e os pinceis distribuídos e acessíveis para uma troca rápida. Espero as primeiras marcas de inspiração surgirem. O tempo passa, e linhas imaginárias aparecem. Mas um punhado de tempo corre para o abraço do passado, e agora uma pequena imagem se forma. Pós outros minutos, levanto a paleta de cores, solto o pincel. Durante este tempo de queda, as passadas do tempo se tornaram mais perceptíveis. A soprar da tempestade retorna. Lágrimas exigem sua alforria e abandonam suas docas. O bater do pincel ao chão fora leve, porém, fora estridente ao meu psicológico. Levanto a paleta de cores e a arremesso na tela. Sem vê o resultado, solto um berro e corro para a sala. Subo no sofá e grito para ela me levar. Meu celular toca. Presumi ser o cliente pedindo algum resultado. Grito-a ainda mais desesperadamente. E ela surge, com seu abraçar sempre ao meu pescoço e pergunta-me:
- Está pronto para ir?
Apenas aceno com a cabeça, aos prantos que fugiram do aprisionamento. Abraçando-me firmemente e pediu-me:
- Dê apenas um passo, e seremos só você e eu para sempre. Não haverá mais preocupações, apenas paz.
- Darei meu último consel... - Estava a dizer a conselheira.
- Calada! - Gritei. E dei o passo. Um passo de sensação eterna, que, ao fim, cessara todos os meus problemas.