Nunca subestime o poder de suas palavras

Você sabia que suas palavras têm poder? Se sua resposta foi não, chegou a hora de parar e pensar um pouco no que você grita. Muitas vezes, por estarmos chateados, ou magoados, proferimos palavras que destroem as esperanças de algumas pessoas. É preciso ponderar. É preciso pensar em como falar. Lembro de um dia em que destruí os sonhos de uma pessoa a quem julgava amiga. Eu “só disse que ele era um zero a esquerda” e até hoje me condeno por isso. Lembro que André fora um cara descolado, o aluno popular, mas ele nunca fora conseguira tirar uma nota maior que cinco.

Lembro que naquela época eu também não era aquele aluno nota dez, pelo contrário, sempre fora o calo de alguns professores, mas, filmando ou não, eu conseguia tirar pelo menos um sete para ficar na média. O André, coitado, conseguira tirar cinco quando a atividade era em dupla. Eu recordo que no auge das minhas loucuras de adolescentes, muitas vezes gritei em alto e bom tom “Não existe pessoa mais burra que o André!” e me sentia bem com isso.

Colocar o André pra baixo era uma diversão, só pra mim. Eu não tinha noção do mal que fazia aquele jovem.

Numa manhã de quinta-feira, descobri que o menino a quem eu tanto zoava morava uma rua por trás da minha casa e, a partir daí, comecei a trata-lo com mais ignorância e desprezo. Diariamente, perseguia-o até sua casa enquanto ele caminhava sem palavras, suando amargamente pelos olhos e isso me tornava onipotente, até o dia que sua mãe decidiu ir conversar com a minha sobre essa “perseguição”. Eu ficara atrás da porta, porque não queria perder nada do que “aquele encosto” iria se queixar. A princípio, não ouvira quase nada, o que me fez se aproximar um pouco e ouvir com mais nitidez. Eu ouvia as seguintes palavras:

“Seu filho anda perseguindo o André. E desde que o meu marido morreu, ele já não é o mesmo. Meu filho tem autismo, não é um nível muito elevado, mas todas as noites ele tem crises fortíssimas, eu me desdobro para tentar acalma-lo, mas muitas vezes é preciso dopa-lo para que ele se acalme. Nessas últimas semanas, tem sido intolerável, olhe os meus braços.” E mostrou as manchas nos braços, fruto da tentativa de acalmar André e continuou “eu não quero que você bata em seu filho, ou o coloque de castigo, tudo o que peço é que converse com ele para que ele evite continuar com as agressões, porque isso está matando meu filho.”.

Sem palavras, subi ao quarto, senti-me aos pés da cama e esperei que a minha mãe me chamasse, mas ela não o fez. Dormi.

No dia seguinte, logo que acordei, minha mãe havia preparado um maravilhoso café da manhã. Eu perguntei o porque de tudo aquilo e ela disse “porque você é o melhor filho do mundo!”. Naquele momento, percebi o valor que as palavras têm e comecei a chorar sobre a mesa. Minha mãe perguntou o que ocorrera, e eu disse que ouvi tudo o que a mãe do André falara. Minha mãe, sem se espantar, disse que já sabia. Disse que havia percebido o momento em que eu me aproximei e esperou que eu a procurasse para contar tudo. E disse com a garganta seca “você acha que estava agindo corretamente? Você sabe que pode ter agravado o estado de saúde do André, né?” e eu fiquei perplexo apenas a ouvir, enquanto ela continuou “e agora, o que devemos fazer? O que você acha que pode fazer para se desculpar?”

Eu não conseguia pensar em nada, mas aproximara-se a hora de ir à escola e, honestamente, não queria sair de casa. Mas fui.

Assim que cheguei, vi o André. Todos já esperavam, em grupos, que eu começasse as agressões. Não o fiz. Fui direto a sala e senti-me em meu lugar. A manhã parecia não ter fim, aulas de Português, Latim, Matemática, Literatura... ... Apenas devaneios.

Eu não estava ali, porque em minha cabeça, eu estava matando o André. Decidi acompanhá-lo até sua casa, na hora da saída, fui até ele, o coitado já se sentirá ameaçado, mas pedi para que ficasse tranquilo que nada iria lhe acontecer. Ajudei-o com os livros, e seguimos rumo a sua casa. Não proferi nenhuma palavra, apenas ouvi o silêncio dos seus lábios e as batidas do seu coração que denotavam medo. Ao chegarmos, apertei sua mão e me desculpei.

Quando cheguei a minha casa, minha mãe perguntou se eu pensei em como resolver a situação e eu a respondi o que havia feito. Ela sorriu singelamente e disse que eu pensasse antes de qualquer coisa. Naquela mesma tarde, fui chamar o André para jogar fotebol, sua mãe estranho, mas deu permissão, ele não quis. Voltei pra casa. No dia seguinte, tudo se repetiu. Ao final da aula, acompanhei-o até sua casa, dessa vez, eu perguntei como ele estava e porque ele não falara muito. Ele foi super objetivo “quando a gente não tem nada importante pra falar, permanece com a boca fechada”. Quando chegamos a sua casa, apertei a mão, desculpei-me e tornei a minha casa. Isso se repetiu até o fim do ano.

No último dia de aula, acompanhei-o como tiver sido rotineiro, dessa vez, eu iniciei uma conversa perguntando como ele se sentia. Ele disse que estava bem, que ter minha companhia foi melhor que ser agredido como era de costume e então, aproveitei para me desculpar. Eu disse:

“André, desde quando comecei a te acompanhar eu queria achar as palavras para me retratar, mas sempre achei que o que fizera fora monstruoso demais e tive medo de não ser desculpado”.

“Você parou pra pensar que as palavras podem mudar a vida de uma pessoa?'

...

“Pois é, Ademir, naquele início, quando você me agredia, muitas vezes tive crises que quase me mataram e, em virtude do meu descontrole, agredia minha mãe. Tudo parecia bem, né? Mas não estava. Suas palavras me mataram aos poucos. Eu sempre estive morto, e ainda estou, porque tudo o que eu precisava era ser aceito. Ninguém nunca parou para dizer que eu era bom em alguma coisa, que havia algo em mim que pudesse ser motivo de orgulho. Só minha mãe. E eu perdi as contas de quantas vezes eu a agredi descontrolado por conta de seus insultos.”

Eu fiquei boquiaberto, sem saber o que pensar, e continuei a ouvi-lo.

“Pois é, mas você mudou -ainda bem! Mas você percebeu que, mesmo depois de ter se aproximado, em momento algum você proferiu uma palavra que me colocasse pra cima?”

Eu não sabia o que falar, continuei a ouvir.

“Então, agora que você me acompanhou todo esse tempo, mesmo em silêncio, pude perceber a pessoa idiota que você é. Acreditou que se aproximar e me acompanhar iria mudar alguma coisa. Eu não deixei de ser autista por causa disso. Nem pra perceber que eu sou uma pessoa normal, com minhas limitações, claro -todos temos, eu só precisava ouvir desculpas sinceras.”

“Mas eu me desculpei!”

“Eu sei. Eu só queria saber como você reagiria ao ser chamado de idiota!”

Naquele instante, eu tivera certeza do mal que tivera feito ao André. Mas, antes tarde que nunca, reconheci meu erro.

Depois de alguns anos, concluímos o ensino médio e estávamos bastante unidos.

Num discurso emocionado de louças palavras ele disse:

“Eu só queria agradecer aos meus pais e amigos mais próximos, principalmente ao Ademir que quase me matou, mas me salvou em tempo.”

Eu, sem palavras, caminhei até ele e lhe dei um abraço. Percebi que naquele momento ele fora grande. Muito maior que qualquer um que estivesse naquela quadra.

Agradeci e, em lágrimas, pedi perdão e agradeci por ele ter sido o responsável por eu ter me tornado um cara melhor. Alguns anos depois ele dormiu profundamente, vez ou outra visito o seu túmulo, leio o epitáfio “aqui jaz um homem” e penso em como eu devo agir. Lembro do sorriso, da amizade, do grande homem que ele sempre foi. Eu só queria conseguir ser metade do que ele tivera sido antes mesmo de ser...

Gilson Azevedo
Enviado por Gilson Azevedo em 08/12/2017
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