O Mensageiro
Passei a noite com Takashi.
Ele dirigia tranquilamente seu táxi enfeitado com franjas e outros acessórios coloridos que achei estranhos e de mau gosto.
Tinha lá seus cinquenta e poucos anos e me lembrou instantaneamente um antigo professor de judô por seu sorriso amplo e a barriga saliente.
Andávamos pelas ruas da cidade sob um sol morno e temperatura agradável e do nada, Takashi começou a falar.
Antes, entretanto, me olhou por longos minutos com aquele sorriso escancarado. Eu fiquei constrangida, pensando no porquê de ter sentado no banco da frente já que aquilo era um táxi e normalmente eu me sento no banco de trás.
Mas lá estava eu, olhando a cara rechonchuda oriental que sorria para mim.
Ele então disse que tudo estava baseado no pensamento. Instintivamente me encolhi pensando na roubada que tinha entrado se ele começasse a falar sobre alguma técnica de autoajuda ou algum método revolucionário para alcançar a felicidade.
Mas Takashi não fez isso. Largou a frase e me deixou à espera. Eu sorri de volta com um leve aceno de concordância e fiquei quieta.
Ele então virou à direita em uma rua movimentada e tão colorida quanto o interior do seu carro.
Depois de longos minutos de silêncio nos quais em nenhum deles o sorriso foi abandonado, Takashi me disse: experimente.
Eu não sabia bem o que fazer. Nem o que dizer.
Ele então parou o carro, pediu que eu descesse e me concentrasse em algo que eu quisesse muito. Se desse certo, eu voltaria para o táxi e seguiríamos viagem. Se desse errado, eu não precisaria pagar nada e poderia ir embora.
Concordei na hora. Mesmo porquê, estava achando aquilo tudo muito estranho e no meio das minhas neuras já me via pensando se ele não era algo do tipo "o japonês assassino do táxi".
Desci disposta a ir embora sem tentar nada, mas assim que pisei na calçada pensei "por que não?". Então por brincadeira pensei em algo improvável, algo do tipo "gostaria muito de achar uma nota de cem reais".
Um vento leve varreu as folhas da calçada e vi que duas notas, uma de vinte e uma de cinquenta voavam em minha direção. Tentei parar a de cinquenta com os pés, pois percebi que pertencia a uma mulher ruiva de meia idade que caminhava na minha frente.
Takashi olhava tudo sorrindo e abriu a porta quando voltei para o táxi.
Ainda sorrindo ele me disse que eu havia desejado, mas não como deveria ter feito, por isso parte do que desejara tinha acontecido e a outra parte não. Disse ainda que isso acontece com a maioria das coisas que queremos na vida: desejamos, mas não temos fé.
Se antes eu estava desconfiada agora eu estava curiosíssima. Quem era Takashi? Um serial killer não era, por certo. Talvez um ilusionista, um hipnotizador, um palestrante ou um professor de alguma filosofia antiga.
Continuamos viagem e ele então me estendeu um folheto com os mesmos tons de amarelo, vermelho, azul e verde do seu carro. Vários temas distribuídos em curso curtos com títulos como: melhore sua vida, medite e relaxe, agricultura familiar e coisas do gênero.
Então era isso, pensei. Uma estratégia de marketing para promover os cursos que, segundo me disse, era sua esposa quem ministrava.
Fingi interesse, mas não consegui disfarçar minha decepção. Queria acreditar nas outras hipóteses e dente elas, que ele era membro de uma seita antiga e misteriosa com poderes paranormais.
Takashi então me pediu para ver os dois últimos cursos, o oitavo e o nono. O penúltimo era intitulado apenas "Ansiedade" e o último "Tranquilidade".
Sem para de sorrir, disse: "Estes dois foram feitos especialmente para você". Nesta hora me assustei. Meus últimos dias haviam sido terríveis com pensamentos recorrentes, ansiedade crescente e atribulações internas que estavam me levando à exaustão.
Pediu então que eu estendesse as mãos em concha e depositou nelas um punhado de neve branca e fresca.
Atônita, perguntei de onde vinha a neve e ele então me mostrou o chão do carro. Em um dos lados havia gelo, no outro um aparelho vermelho simbolizando o fogo.
Takashi continuou rindo e dirigindo e por fim disse para eu pensar sobre equilíbrio.
Acordei ainda com a sensação da neve em minhas mãos.
A manhã foi diferente, o dia também.
O google diz que Takashi significa “homem obediente”, “aquele que pretende ser obediente”, “nobre aspiração”, “historiador precioso”, “homem respeitado”.
Pensei por muitas horas com meus argumentos racionais e psicanalíticos se tudo não passou de uma manifestação do meu inconsciente para aliviar a tensão dos dias.
Pensei, também, se o sonho nada mais foi do que a compilação de imagens, cenas e pessoas que vi no dia.
Pensei se Takashi não era um mensageiro atuando no momento e me mostrando um caminho.
Por fim, me lembrei da sua frase mais marcante: desejamos sempre, mas não temos fé.
E então, tive a minha resposta.