A história de Florinda

A história de Florinda

Era um belo casal. Dois pombinhos. Ou melhor, dois cisnes. No casamento deles, no lugar da marcha nupcial, tocou "O Lago dos Cisnes", inclusive.

Florinda, jovem que gostava de fazer pose em frente às flores com seus belos cabelos cacheados. Desfilava sua beleza quando ia à venda da esquina. Num desses dias, sua vida mudaria para sempre.

Frederico. Rapaz feio, bochechudo, apelidado de buldogue pelos meninos do bairro. As meninas não davam a mínima para ele. Era escolhido por último no futebol, brincavam que a bola parecia quadrada nos pés dele.

Florinda era bela, recatada e do lar. Cresceu sem pai, a família vivia em dificuldades financeiras, então, passava o que seria seu tempo livre em casa ajudando a mãe a cozinhar, que vendia seus pratos para os restaurantes da cidade. Churros, chifrinhos de nozes, biscoitos, bolos.

Frederico então só estudava. Estava crescendo, viu que não tinha talento para o futebol, que era seu sonho. Não tinha sucesso com as meninas. Poucos amigos. Estudava, principalmente, aritmética. Um dia, viu que a Marinha estava selecionando novos membros. Estudou bastante e, depois de alguns meses, veio a prova, foi bem e virou marinheiro. Sua mãe logo o chamou de "Tesouro" quando o viu com o terno branco.

Florinda era agressiva. Crescendo numa vila com meninos, acostumou-se com as brincadeiras mais brutas. Era fã de futebol. Gol da Florinda. Ninguém se metia com ela, ou levava um tabefe.

Certa vez, voltando da venda, esbarrou num rapaz. Fosse um filme da Sessão da Tarde, seria a clássica cena em que um casal derruba livros, se agacham para pegar, cruzam os olhares e se apaixonam. Uma bandinha num parque próximo tocava "Lago dos Cisnes". Mas era a Florinda. Prontamente, chamou o rapaz de gentalha, gentalha, gentalha. E foi andando para casa.

O rapaz era Frederico. Apesar de já estar acostumado com a rejeição alheia, principalmente das meninas da cidade, doeu mais dessa vez. Patinho feio. Até suas bochechas murcharam. Chorou, mas as lágrimas secaram rapidamente, engoliu os soluços quadrados.

Enquanto isso, em casa, enquanto prepara mais uma leva de churros, Florinda sintoniza o radinho de pilha. Clássicos da Tarde. Lago dos Cisnes. Florinda começa a lembrar do esbarrão que deu alguns minutos atrás. Não lembra quem era o rapaz. Bochechudo, terno branco de marinheiro, bigodes.

Curioso, ansioso ou sabe-se lá o que, Frederico foi até a praça. Quis ficar ouvindo a bandinha do parque. De terno branco e com um refresco nas mãos, esperava que a sua musa passasse pro ali. Olhava as flores em volta, até que encontrou a mais bela delas.

Florinda, com seus belos cabelos cacheados, foi até a praça. Queria ir à banca de jornais, buscava fotos de seu ídolo da tv, o galã Hector Bonilla. Frederico se enche de coragem, se concentra e vai. Suas bochechas infladas pareciam dois balões. Florinda olhava admirada e suspirando para a nova foto de Hector. Frederico sentiu-se enciumado. Ela estranha o movimento a sua frente e baixa lentamente a foto. Ele fica mudo, dá um susto nela. Mas ela não dá um tapa nele.

Toca Lago dos Cisnes. O cheiro de churros na praça. São cafonas, sim.

Trocaram algumas palavras. Frederico narrou suas viagens como marinheiro, dos tesouros que havia já encontrado. Tudo mentira. Disse que compraria até um oceano para Florinda, ela não acreditou, mas gostou do agrado. Achou o rapaz um "Tesouro", aproveitando-se do que ele havia contado e fazendo um trocadilho.

Foram ao cinema. Ela queria ver o filme do Pelé, mas ele queria ver um sobre terremoto, desculpa para abraçá-la. Depois, boliche, onde um rapaz barrigudo chamava a atenção ao rearranjar os pinos. Emendaram numa lanchonete, mas só tomaram umas xícaras de café. Um gato os olhava de longe, Frederico falou que era um ótimo massacote.

Meses depois, casamento. Lago dos Cisnes. Frederico casou-se com seu terno branco da Marinha. Cerimônia simples, mas até os Pires de Albuquerque compareceram. Semanas depois, Florinda recebe a notícia de que estava grávida. Prontamente, começam a pensar em nomes para a criança.

9 meses depois, Frederico. Quico.

Quando o menino fez 1 ano de idade, Frederico teve que partir numa viagem com a Marinha. Para nunca mais voltar. O acidente que o vitimou foi notícia no jornal. Na parte baixa da página, havia também a notícia sobre uma criança largada dentro de um barril numa rua da cidade.

E o vento levou.

Florinda não tinha o que fazer. A pensão que Frederico deixou não permitia o pagamento de todas as contas. Almejava uma viagem para Acapulco com Frederico e Quico, seus dois tesouros, mas teve que procurar mesmo por uma nova moradia. Foi quando viu o anúncio de uma casa numa vila bem simples, mas uma bonita vizinhança.

Florinda Corcuera y Villalpando viúva de Mátalas Callando