O acendedor dos lampiões
Acendia os lampiões das ruas impreterivelmente às cinco. Um jovem de andar alegre, sempre trazendo às mãos acenos gentis para quem às portas estivesse; era o dito cujo que a essa hora os acendia e, emparelhado com o nascer do sol, os apagava. Um vai-e-vem rotineiro, manso e tão bonito.A natureza e o homem, juntos, um a caminhar ao lado do outro.
- E esse jovem, ó poeta, não serviria para encher teus versos?
- Interessante...
- Mais do que interessante não seria pô-lo no papel, entre teus versos?
- Verei isso mais tarde.
- Quando ele apagar os lampiões então!
Uma chuva fininha, molhadora, típica de julho. De longe, a Praça Jorge de Lima era escondida por uma nuvem branca, serração fria e comum a essa época. O grito do apito do vigia noturno havia dormido. No bico da praça, três barracas velhas de tábua estavam sendo armadas. Nelas costumavam-se ver os montões de cocos secos e uma velha gorda batendo uma arruela de ferro no casco deles para verificar se estavam sadios – bom teste esse,conhecido até pelos compradores mais comuns.
Os lampiões continuavam acesos, e os raros transeuntes que cruzavam as ruas olhavam para eles e se admiravam por ainda não terem sido apagados. Cadê o jovem apagador de lampiões? A feira se arrumava, e os primeiros gritos dos vendedores eram ouvidos.
- Quem vai querer perua gorda, pondo, lá das baixas da Fazenda Anuns?. Barata! Barata! Barata!
- Pitomba doce! Jabuticaba. Vamos parando, fregueses; as frutas estão doces e sadias! Eita que tanto frio, meu Deus, Ave Maria! Vou virar um picolé já já!
Eram seis da manhã, e os lampiões continuavam consumindo desnecessariamente seu combustível, o gás. Nada de ninguém chegar. O jovem deveria ter sido vitimado por alguma coisa. Morrera? Nunca se havia presenciado um atraso desse. Ele parecia saber ouvir o sol e, quando aquele espelhava-se no céu, o jovem esticava-se com a vara à mão para apagar os ditos cujos. Ofício sabido e tratado a bom gosto.
E então eu resolvi sair à procura do acendedor dos lampiões de rua. Deixei-me ir meio à algazarra que à altura daquela manhã os feirantes e os transeuntes já teciam. Um lindo burburinho de leva-e-traz, entra-e-sai, e eu à procura do jovem acendedor de lampiões.
Cruzei a Praça Jorge de Lima, segui pela pequenina rua à frente e deparei-me, na última casa, um bangalô de primeiro andar, com uma pequena multidão abismada.
- Moço, o que se passa aí?
- É um louco, parado no meio da rua, com uma vara comprida às mãos e olhando para a janela do primeiro andar desse bangalô. A casa onde viveu o poeta da Nega Fulô!
E eu então pude tudo entender. O jovem, infatigavelmente, sonhava, ao olhar da rua a janela da casa do velho poeta do “Acendedor de Lampiões”. Curioso, dirigi-lhe a palavra:
- Jovem, e os lampiões ainda acesos?
- Senhor, se eu for apagá-los, os que aqui vejo, apagarão e os meus sonhos faltarão com eles, cairão na escuridão e eu, ah!. Lá está o poeta a declamar para mim. Não o vês?
- Vejo, caro jovem. Ele agora está declamando o poema “Essa Nega Fulô”.
- Ah, então, enquanto ele declama esse, dá tempo de eu ir apagar os lampiões que ainda estão acesos.
E o moço foi levando seus sonhos. Eu adentrei em seu delírio e, juro, ouvi e vi o poeta declamar para mim o outro poema. Meus lampiões pareciam que estavam todos acesos, como aqueles outros lá da praça. E, quando algumas raras lágrimas tremeluziram em minha face, entendi que até os nossos sonhos contagiam as almas vizinhas às nossas, mas têm limites. Apaguei os meus e fui comprar nas ruas cheias de gente de União! Voltei a ouvir a doce algazarra da feira de sábado.
- Feijão verde, quem vai querer.., sapoti, laranja-baía, fruta-pão, pimenta do reino, macaxeira...