VIDA DE ANJO
A vida de anjo não é feita de sombra e agua doce como muitos pensam. Engana-se quem supõe que ficamos batendo asa de nuvem em nuvem, tocando harpa e entoando hinos celestes. Os chamados não param, nossa pena é perder as penas voando para onde se torna necessário. Férias não temos desde que a humanidade passou a ocupar 24 horas do dia. Eles não respondem muito bem as regras, isso vem de família. Bem no começo de tudo quando inventaram de comer a tal maçã, esculpiram os 10 mandamentos numa pedra, queimaram Sodoma e Gomorra, dilúvio, pragas do Egito, mas eles insistem em burlar a geometria e andar fora da linha. E aí, já sabe né, regras quebradas, pecado, perigo, acidentes, eles dão trabalho e nós trabalhamos. Vou mostrar pra vocês como é a rotina de um anjo, dar uma pequena noção pra que saibam o quanto suamos a camisa, quer dizer, as asas, pra cuidar de tantos humanos. Assinamos o ponto, é meia noite, nesse horário, surgem frequentemente, donzelas num beco escuro sem um príncipe encantado que as ajudem, boemias que enchem a cara e ficam sujeitas a ação por oportunistas. Não é incomum também, atendermos jovens cuja vida é uma droga, e só percebem isso quando limitam entre a luz e a escuridão ao terem uma overdose. Os veículos, sim os veículos, meios de transporte, essas modernas parafernálias de borracha e metal, vidas transportando vidas, que responsabilidade. Os sentidos falham, precisamos dar uma mãozinha e acordar o motorista de ônibus que cochilou ao volante. No ar, os pilotos que enfrentam turbulências, aves indesejadas que podem colidir e causar muitas mortes. Pelo mar temos de amenizar os marinheiros, que teimam em navegar entre ondas ferozes e arrecifes traiçoeiros, tem os surfistas e os tubarões e sua relação difícil, se os faróis e rádios falharem, é serviço dobrado pra nós e qualquer segundo é muito precioso quando falamos em salvar pessoas. Em terra, não há descanso, o arrebite dos caminhoneiros, expira sua validade e a próxima curva poderá ser a ultima para o condutor negligente que desfaia aptidões corporais. Os jovens, cheios de energia, abordo de carros potentes, que queima gasolina e asfalto em rachas, querendo dar uma de Vin Diesel do “Velozes e Furiosos”, pondo em risco eles e os que estão no trajeto percorrido. O sol raia, e o caso cotidiano das cidades são ligados. Apressadinhos se engasgando precisando de uma tapinha nas costas. Que saíram do banho e utilizam aparelhos elétricos, esquecendo que a combinação d água e eletricidade é chocante. A metrópole é repleta de armadilhas. Pedestres cruzam a estrada com o sinal vermelho, motoristas repetem comportamento. Uma mãe distraída ao celular deixa o carrinho do bebê escapar da vista, uma velhinha teimosa caminha lenta e desacompanhada sendo alvo fácil das fatalidades. Vou pra uma escola, as crianças não param quietas e sua vontade de explorar o mundo oscila em terrenos instáveis. Menino sobe na árvore da instituição de ensino para coletar pipa atraente e colorida, presa entre os galhos. Dou um jeito de derrubar o objeto e evitar o pior. O parafuso do balanço do parquinho encontra-se enferrujado e não suporta mais algumas voltas sem que derrube alguém. Toco o sinal que marca o fim da hora do recreio antecipadamente, fazendo-os saírem de lá para a sala de aula. Realizo mais alguns salvamentos e sou requisitado para vigiar restaurante, facas, jogo, comidas quentes, o lugar é uma bomba viva usada para satisfazer paladares mais refinados. Área inspecionada, ingredientes com seus prazos de validade regulares, extintores de incêndio, cozinha sem vazamento de gás ou equipamentos defeituosos. Permaneço horas ali e nada que exige a minha intervenção. Fico ali sentindo todos aqueles aromas, que vontade de pegar um pedacinho, mas não posso me materializar no meio de tantos humanos assim. Epa! Que chapeiro desastrado, deixou uma embalagem de álcool em gel ao lado da ferramenta de trabalho, isso cheira a confusão, chapeiro bem passado com queimaduras de terceiro grau no cardápio da casa. Estendo meu pé e faço a garçonete derrubar a bandeja de cervejas, não me materializando é claro. Que barulho, que sujeira. O colega abandona o balcão para ver o que aconteceu e na pressa esbarra no álcool em gel e o derruba na pia ao lado, ufa, ainda bem, creio que acabou por hoje no restaurante, é hora de... Calma, acho que o expediente ainda não terminou, o alarme vem da cozinha. Vejo o chefe fazendo receitas, tudo parece impecável. Cada prato lembra uma obra de arte, harmonioso, visualmente chamativo. O sabor da comida quentinha passeia no backstage. O que há de errado, olho atenciosamente, um por um, não posso demorar, alguém comerá a ultima refeição de sua existência. Eis que encontro a vírgula que faltava na frase. Uma porção de (baiacu), peixe que deve ter partes retiradas, pois possui veneno perigoso, mortal muitas vezes.
Jonnata Henrique 08/10/17