Canoa Velha
Outrora companheira inseparável do navegador solitário, outrora o motivo de seu sorriso, ao puxar redes abastadas e pensar com o coração comovido, nos filhos de olhos arregalados ao centro da mesa, e em sua senhora que de costas ao fogão, lhe beija com os olhos, lhe afaga com um sorriso.
Você não foi uma mera coadjuvante nesse cenário. No entanto, o homem de peito dourado, de calças cortadas ao joelho, de sorriso incompleto e fronte vincada lhe abandonou, pois ao acidentar-se em parcéis ocultos teve que lhe deixar, visto que o talhe em sua madeira, tembém fez com que você sofresse incisões irreparáveis..
Mas note, perceba, você não ficou tão abandonada quanto parece, foi inserida num mundo de cores e de vida, num cenário de encanto e magia. Criou raízes fundas na areia alva da praia, tu és a mais nova maestrina da deliciosa e incessante orquestra do mar, que apresenta-se belamente, cingindo, abraçando o firmamento ao infinito.
Tu és soberana e encantadora ao cair de um pôr-do-sol rosiclér, onde multicoloridos carangueijos lhe oferecem desenhos abstratos, onde a maré vem brincar em sua tez descorada, tu és querida entre os vôos rasantes de miríades de andorinhas, tu és repouso de mergulhões, de albatrozes, tu se faz moradia de pelicanos apaixonados, tu és fascínio!
Ao cair da noite, sob os raios de prata da lua, tu és suspiros sôfregos de amor, entre pétalas de flor, um incontido ardor. Sob corpos no emaranhar, servis-te gentilmente qual nobre conchego, dócil cama, qual prazeroso colchão de amar.
Maestrina sensível, tens uma orquestra cativa: realcem os violinos!! Pois a brisa afaga seus sonhos pueris. E a terna mãe Lua, os cobre placidamente com um lençol alvacento, num beijo melifluo de boa noite.
Quantos a desejam, canoa velha
Mas a possuem apenas
Como um quadro ímpar, memorável, singular
enfeitando bélamente,
a sala de estar.
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