O Cisne

O pequeno ser olhava estupefato a cheirosa iguaria colocada a sua frente, seu estômago doía, mas, a pequena mão não ousava obedecer ao comando da fome.

- Vamos orar e agradecer a Deus o alimento. Dissera a mãe, e, meio que engasgada procedera o agradecimento seguida pelos demais.

- Coma filho!

- Não consigo Mamãe!

- Precisa querido. Não há mais nada para comer e se não o fizer poderá ficar doente. Explica a mãe.

Cabisbaixo o garoto maldizia a fome, apanha um pedaço de carne leva-o a boca. Enquanto mastigava, lágrimas escorriam pela face rosada, naquele instante jurava a si mesmo: Nunca mais comeria carne em sua vida...

Dera-lhe o nome de Guido, seu pai o levou para casa juntamente com outros dois cisnezinhos, porém foi o único que sobreviveu, os outros haviam morrido a algum tempo, perseguidos pelo cão de caça dos vizinhos, desde então era a alegria de todos, sempre o acompanhava nas peraltices pelo quintal.

Guido era desengonçado, chegou ainda pequeno, o pescoço comprido parecia desproporcional ao corpo curto e arredondado, aos poucos foi crescendo e mudando de cor, tornando-se a mais bela ave que já havia visto, possuía o porte de rei, gostava de exibir a beleza no pequeno lago para ele construído. Quando alguém se aproximava da entrada, estava sempre a postos, fazendo as vezes de cão de guarda, era uma barulheira só, todos sabiam que havia alguém aguardando no portão. Ainda era fase de “vacas gordas” como se diz, a comida era farta e a família podia se dar ao luxo de ter até empregados.

Enquanto comia, o garoto lembrava-se das vezes em que tentara monta-lo, ele saía grasnando e rebolando de asas abertas, das vezes em que estando contrariado, sentara-se na escada da porta de entrada e Guido vinha se aconchegando, sempre o abraçava, ele deixava-se abraçar, como se soubesse de sua tristeza e quisesse conforta-lo.

- Filho, coma! Já está frio, assim não conseguirá terminar de comer e não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar.

O garoto dá mais uma mordida, a garganta doí a cada engolida. A mãe o observa, sabia o que Guido representava para toda a família, era a alegria dos dois filhos.

Primeiro tivera uma menina, cinco anos depois, quando já não pensava ter mais filhos ficou grávida, já se passara dez anos, contempla seu corajoso homenzinho tentando alimentar-se do melhor amigo... Dias difíceis aqueles, a guerra trouxe escassez de alimentos em toda parte, não há trabalho por perto e o esposo teve que ir para longe em busca de sustento. Maria a mucama que lhes servia, se recusara ir embora, não tinha para onde ir, fora autora do triste ato em preparar a ave para o almoço, a dois dias não havia uma refeição decente, comiam apenas um pequeno naco de pão sem fermento, preparado com o resto de trigo da dispensa.

- Mãe posso perguntar algo?

- Pode querido! O quer saber?

- O Guido sentiu muita dor?

- Cada vez que engulo, sinto como se ele estivesse sofrendo.

- Não filho, acho que ele não sentiu dor. Maria fez um serviço rápido e penso que não tenha dado tempo para ele sentir nada. Agora ele deve estar no céu dos bichos, nadando em um lago azul. Você come apenas a matéria que ele deixou para alimenta-lo, foi por uma boa causa, e, ele também sentiria fome se continuasse aqui, não teríamos como alimenta-lo.

- Está bem mamãe. Sei que foi preciso, mas, não posso deixar de pensar que eu o traí. Ele sempre foi meu amigo, nunca me deixou sozinho e agora...

A mãe compartilha do sofrimento do filho, sabia que não poderia aplacar aquela dor, abraça-o e juntos choravam, se mantivera forte até aquele momento, porém, não suportava mais ver o quanto ele sofria. A filha mais velha até então assistira calada, se junta a eles n’um abraço triplo, aquele seria um momento inesquecível. Os três começam a recordar as peripécias de Guido e acabam deixando de lado as lágrimas.

- Lembra o dia em que ele entrou no meu quarto e acabou sujando todo o tapete com os pés cheios de lama e você disse que a qualquer hora o colocaria na panela?

- E você maninho? Sempre queria fazer dele seu cavalinho, quando isso ocorria ele sempre corria para o laguinho em busca de sossego. Dizia a irmã rindo, entre lágrimas que teimaram em retornar aos olhos.

- Dona Joana posso retirar a mesa? Pergunta Maria cabisbaixa.

Entrou acanhada com aquele jeito de avó, ninguém sabia o quanto lhe custara o feito. Com lágrimas nos olhos matara e prepara a ave, e, enquanto o fazia, também lembrava-se das peraltices que o garoto aprontava com Guido, em uma delas ele o pintara de azul, tinta com a qual o patrão pintava a parte externa da casa, foi necessário muito sabão até conseguirem remover toda tinta.

- Pode tirar Maria. Acho que ninguém vai comer mais. Guarde as sobras para o jantar, quando a fome apertar ainda teremos o que comer.

O garoto pensou na resposta da mãe. Será que ainda teria que passar por toda aquela tortura novamente? Só em pensar seus olhinhos se encheram de lágrimas mais uma vez.

O tempo passa, o garoto agora é um famoso advogado, formou-se e constituiu família, moram em uma bela casa e como seus pais, possui dois filhos; um garoto de oito anos e uma menina de cinco. A vida segue seu curso, os filhos têm mais do que tivera a vida inteira: brinquedos, boa escola, passeios e boa diversão. As vezes em suas nostalgias, se recorda os tempos de criança, compara, as coisas hoje são tão diferentes! Os filhos sempre querem alguma coisa nova, parece nunca estarem satisfeitos com o que possuem...

- Querido! Já chegou? Vá tomar um banho, o jantar está quase pronto. Mandei preparar sua massa predileta. Também separei um gostoso vinho.

Após um delicioso banho ele vai até a copa onde todos se encontravam para o jantar. A mesa estava linda, seus filhos estavam desinquietos.

- Mamãe não quero massa no jantar, nem essa salada. Será que sobrou o pato ao tucupi do almoço?

Ninguém perguntou porquê, todos perceberam a mudança naquele homem forte. Os olhos se encheram de lágrimas ao olhar a cozinheira que entrava tendo nas mãos uma travessa contendo o que para ele parecia um cadáver, o restante de uma ave... A lembrança ainda o machucava, não havia esquecido a promessa feita ao amigo, nunca mais comera carne em sua vida.

EMARILAINE
Enviado por EMARILAINE em 26/04/2017
Reeditado em 26/04/2017
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