SENTIMENTO DE CULPA
 
Em setembro de 1959, no aniversário dos meus pais, meu irmão e eu recebemos a notícia de que minha mãe estava grávida. Meu irmão estava com dez anos; e eu, com onze. No decorrer dos meses, senti-me sozinha. Tudo girava em torno do neném que iria chegar. 
Na madrugada do dia 11 de fevereiro de 1960, fomos acordados por meu pai que nos disse ter chegado a hora; estavam indo para o hospital. Horas depois, nasceu uma linda menininha com 3k300 gramas. Ao conhecê-la, pensei: 
– Uma bonequinha só minha. 
Nos primeiros dias, não saia de perto do berço; estava muito feliz. À medida que minha mãe passou a solicitar-me para olhar a neném, isso me incomodou; eu queria brincar com meus primos. Para livrar-me da tarefa rápido, assoprava nos seus olhinhos. 
O seu desenvolvimento foi excelente nos primeiros meses. Na segunda quinzena de maio, a bebê apresentou um quadro febril. Meus pais a levaram ao médico, o qual disse não passar de um simples resfriado. 
 – Pais velhos fazem tempestade por pequenas coisas. Um ASS resolve o problema.
Os dias passavam e nada de melhorar. Meus pais a levaram a outro médico e esse lhes disse que ela estava com pneumonia e que o quadro era gravíssimo. Setenta e duas horas depois, a bebê faleceu. Ao receber a notícia, corri ao banheiro e pus-me de joelhos em cima de grãos milhos e com os braços em cruz rezei pedindo perdão a Deus. Senti-me culpada, culpa que carreguei por mais de cinquenta anos e que foi amenizada recentemente ao compartilhar com uma amiga o fato.
Transcorrido dois anos do falecimento do meu pai, mandamos fazer um jazigo para a família. Ao abrirmos o caixãozinho de minha irmã, suas roupinhas estavam intactas. Antes de colocá-las na pequenina urna, segurei-as, por longo tempo, em minhas mãos, com muito carinho e amor.
Na memória, o cortejo fúnebre de uma bonequinha.
Ilda Maria Costa Brasil
Enviado por Ilda Maria Costa Brasil em 29/12/2016
Reeditado em 29/12/2016
Código do texto: T5866642
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