Almas que observam

Era uma manhã de segunda-feira. Estava frio e um tímido sol de inverno brilhava no céu da cidade de Porto Alegre.

Peguei o ônibus na Avenida Protásio Alves com destino demorado para um bairro distante de minha casa, porém perto do cemitério. O ar condicionado do coletivo estava tão quente que me senti sufocada e meu rosto queimando, provavelmente já estava ruborizado. Minha ira aumentou quando meu walkman parou de funcionar, não sintonizava mais nenhuma estação de rádio. Tentei me distrair, acho que cochilei. Quando percebi já estava quase na hora de descer. Levantei-me e dei o sinal, quase todas as pessoas desceram ali.

Cada passageiro seguiu seu destino, assim como eu. Cumpri com meus compromissos, realizei minha meta da manhã daquela fria segunda-feira. E lá estava eu, sozinha e ao mesmo tempo acompanhada de tantos desconhecidos, passando pela Avenida Azenha. De súbito olho para o céu, uma revoada de pássaros, mais ao longe, quase em cima do morro, avisto em meio aos Ciprestes a torre da velha igreja do Cemitério da Santa Casa. Os mortos em uma altitude mais elevada. Lá de cima nos observando no nosso comum dia-a-dia, nos perseguindo com seus olhos curiosos. Aqui embaixo, os vivos passam sem nem perceber os olhares de saudade dos entes queridos, ou até mesmo dos desconhecidos desencarnados.

E assim a vida continua, normalmente. Poucos são os que perdem dois minutos do seu dia atarefado para saldar as almas. Depois disso, só posso concluir que realmente o mundo dos vivos é governado pelo mundo dos mortos.

Lilith Góthica
Enviado por Lilith Góthica em 30/07/2007
Código do texto: T586062
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