Por favor, não diga alô

Durante todo o dia ela ligava insistentemente à espera que alguém atendesse. Já era uma rotina familiar ao seu dia-a-dia, mas naquele dia resolveu reforçar com emails que continham apelos do tipo: "Trimmm, por favor, atenda ao telefone".

O envio de emails começou a ficar cada vez mais intenso, chegou a superar as tentativas telefônicas. Enquanto executava essas tarefas rotineiras de chamar, ou através de emails ou via telefone, não abandonava as suas outras tarefas diárias, inclusive seu ofício de profissional de informática.

Ela sabia que seus envios poderiam contar com mais de um endereço eletrônico, pois todos levariam ao mesmo lugar. Então, criou um grupo de contatos composto por todos os endereços comuns.

A arte de chamar foi se tornando cada vez mais sofisticada, e também mais contundente. Os emails já continham apelos como: "Trimmmm atende essa merda peste!".

Diariamente se levantava com munições diferentes engenhosas e criativas. Pensou em usar também o correio comum, através de telegramas, mas logo desistiu devido ao custo.

Para não se tornar repetitiva nos adjetivos e apelos, passou a registrar em um arquivo texto, tudo que escrevera ou escreveria. Nas mensagens, usava o campo <assunto>, pois o efeito era mais rápido e dispensava a abertura do email por parte do destinatário. O corpo da mensagem estava sempre em branco.

Um dia aconteceu algo inesperado. Recebeu um email que dizia: “liga, que vou atender”.

Isso não poderia acontecer! Pegou o telefone, chamou e, antes que atendessem, desligou depressa. Verificou que chegava em seguida, uma nova mensagem em sua caixa de entrada. Assunto da mensagem: “como posso atender se você desliga?”.

Meu Deus! Isso era o fim! Já mal lembrava para quem estava ligando, e a pessoa tinha o desplante de atender?????

Desesperada, começou a mandar emails novamente: “puta merda atende logo antes que eu desista”. Corria ao telefone e ligava deixando tocar apenas o suficiente pra sentir que atendiam. Desligava. Olhava o computador e via o email chegando na caixa de entrada. Não acreditou no que lia. Estavam copiando e usando suas mensagens antigas! Isso era um assinte!!!. Aumentou a artilharia. O outro lado fez o mesmo. Não suportava mais ver os emails que chegavam com todas as suas mensagens, outrora enviadas, onde apenas tiveram o cuidado de substituir a palavra “atende”, pela palavra “liga”. Passou o dia todo procurando sinônimos no dicionário, e adicionando ao arquivo texto novas formas de mensagens. Virou a noite.

No dia seguinte contava com 7.243 formas distintas de dizer a mesma coisa: “trim, atende ao telefone”. Feito isso colocou todos os endereços de emails no lixo eletrônico e ficou com apenas um. Desativou seu Outlook e agora não via mais as mensagens chegando, e não mais tinha contato com sua caixa de entrada. Usaria apenas o botão <voltar>, remontaria as novas mensagens e as enviaria.

Feito isso, foi tranquilamente passar um café.

Meses se passaram...

Trimmm!

Dou outro lado da linha o dono da padaria dizia:

- Porra! Vou trocar o número dessa merda! Faz dois dias que instalei esse telefone, e tem um maluco que já ligou mais de duas mil vezes sem dizer nada.

Enquanto isso, na sua caixa de entrada, centena de milhares de devoluções de emails constando o status: ENDEREÇO NÃO ENCONTRADO.

Helena Antoun
Enviado por Helena Antoun em 25/07/2007
Reeditado em 25/07/2007
Código do texto: T578485