Medo do tempo...

Eu o encontrei consertando um velho relógio. Me disse que estava consertando o tempo. As paredes de sua casa estavam lotadas de relógio de todos os tipos. Não só as paredes, os móveis, o chão, o teto e o jardim. Era praticamente impossível caminhar sem esbarrar em algum. Ao perguntar a ele o por que desse fascínio por relógios, disse-me com uma tristeza no olhar.

– Uma vez há muito tempo atrás quando eu era jovem, vi um viajante cruzar o deserto e parar em frente a nossa tenda. Ele pediu água e que eu enchesse seu cantil. Pedi a minha irmã que o fizesse e fui conversar com o velho homem em trajes de sábio. O velho senhor respondeu-me todas as perguntas que fiz sem hesitar. Disse-me que já viveu mais gerações de que se pode contar nas mãos e que o mundo é uma ilusão e um ciclo eterno das mesmas coisas, assim como o sol todos os dias repete seu trajeto, toda a vida tende a repetir, para sempre.

Minha irmã trouxe o cantil cheio. Entreguei a ele e, ao me agradecer disse-me o seguinte: “Aquele por quem o tempo passa é efêmero e vazio, assim como a areia jogada ao vento”. – Pegou um punhado de areia em sua mão e deixou-a cair aos poucos. “– Você consegue achar cada grão que o vento levou?” – Perguntou-me jogando o resto para cima.

- Não tem como achar entre toda essa areia. – Respondi consternado.

- Assim é o homem por quem o tempo passa. Um entre milhões e ninguém consegue distingui-lo dos outros. Agora aquele que passa pelo tempo é perene e abundante. Assim como o sol que banha esse deserto. O tempo é eterno porque nós lembramos dele.

Eu tenho colhido todo o tempo que pude até hoje… Eu passei a vida inteira tentando impedir o tempo de passar por mim, mas não consegui. Mas até meu ultimo fôlego de vida eu não vou desistir.

- Me perdoe, mas o senhor tem feito tudo errado. – Contesto. - O tempo é implacável, não temos como impedir que ele passe por nós, assim como o senhor tem tentado. O senhor perdeu sua vida inteira lutando contra o tempo sendo que o que devia ter feito era ter lutado a favor dele. O tempo não está lá fora, está dentro de nós. O que o viajante disse foi que não devemos deixar de viver, que é o mesmo que deixar o tempo passar por nós. Que devemos viver, deixar nossa mais bela obra aqui na terra e nossos filhos. O tempo é vencido pela nossa obra, pelas lembranças daqueles que, de alguma forma, mudamos suas vidas. O tempo é vencido também pelas nossas gerações que nos carregam em seu sangue e em seus corações. Aqui é que nós passamos pelo tempo. Porquê o tempo é eterno porque nós lembramos dele.

O velho senhor chora. Suas lagrimas molham suas mãos judiadas.

- Eu não tive filhos, nem sequer uma mulher ao meu lado. - Lamenta ele. - Eu tentei tanto aprisionar o tempo que fui aprisionado por ele no esquecimento. Eu tive medo, medo do tempo.

Eu entrego a ele o velho cantil de meu pai e peço um pouco de água. Seus olhos brilham. Ele levanta-se e vagorosamente desaparece entre todos aqueles velhos relógio.