ALMAS GEMEAS

ALMAS GEMEAS

O Toque triste das badaladas do sino da pequena capela da ensolarada de Tolon ,província francesa,mais parecia anunciar o fim de tudo o que era importante para a bela Marie de Tojoan. Não era para ser daquela maneira, dentro daquele ataúde estava inerte Fadier de Trevoa, o seu grande amor, aquele que com certeza ela o aguardava desde quando seu espírito fora irrompido por uma saudade imensa, maior do que ela mensurava.

Mas voltemos no tempo, 25 de fevereiro de 1745, na relva macia dois jovens brincavam. O vento suave do rio Reno percorria os cabelos de Marie de Tojoan, a condessa mais bem sucedida daquelas províncias, sua riqueza extrapolava a imaginação de qualquer um que pensasse em cifras e seus múltiplos. Mas a jovem tinha a liberdade para escolher seus amigos e Fadier de Trevoa era seu amigo preferido. Embora jovem de posses discretas, fora educado nos melhores colégios de Paris, amava a música como a própria vida.Observava serenamente a brincadeira dos dois jovens o Conde Renoar, homem austero, educado no colégio dos Frades, o principio e a honra de um homem é o que o velho Conde mais velava. Os olhos experientes fitavam aquela brincadeira inocente, mas, em seu coração, sentia que aquela união não poderia passar de uma amizade, pois os anseios do velho Conde para a sua filha ia muito além do que as parcas posses do rapaz. Assim, o tempo corria seu percurso lentamente, e numa noite de muito glamour, toda a corte francesa se reunia para homenagear o recital de Fadier, que com seu piano entoava lindas canções. Após o vernissage e seus respectivos cumprimentos, duas figuras se esguiavam para traz da mansão e num beijo apaixonado, fazem juras de amor.

-Minha querida Marie, não mais suporto a sua ausência, precisamos ficar para sempre juntos!

-Tenha paciência meu querido Fadier, meu pai anda me observando em demasia, acho que ele está desconfiado de minhas atitudes e tem mandado a criadagem me vigiar! – E disse que hoje tem uma surpresa para mim.

-E não sabes o que é minha querida?

-Estou preocupada, pois ela anda dizendo que o Conde Ferdinand seria para mim um excelente partido!

-Eu digo a você minha querida, não a perderei de maneira alguma, prefiro perder minha vida a perder-te.

-A noite avançava quando o velho Conde Renoar pede ao regente da orquestra para parar a música, pois tinha que fazer um anúncio.

De repente ele convida o Conde Ferdinand para subir ao balcão e procura por sua filha. Alguém responde que não a tinha visto. Mas a jovem ao ouvir seu pai, vai até a presença do mesmo. Então, é feito o anúncio:

- Meus caros companheiros é com grande alegria que venho anunciar a todos que o Conde Ferdinand está feliz em receber a mão de minha filha em casamento, e dá como dote a propriedade a beira do Reno!

Marie estremece, sem nada poder fazer, ou falar fica muda e olha para seu grande amor que num ato súbito empurra o piano para um lado saindo fazendo grande barulho.

Mesmo contra sua vontade ela abaixa num ato involuntário, cumprimentando e acatando a decisão de seu pai.

No dia seguinte, ela se encontra com Fadier, se abraçam silenciosamente, nenhuma palavra, os olhos dos dois jovens se enchem de lágrimas, as palavras não saem, somente os sentimentos falam mais alto, mas alguém teria quer dizer alguma coisa e foi ele que toma a iniciativa.

_-Minha amada, sei que assumirás o compromisso que teu pai fizera, mas se desejares, neste instante, vamos unir-nos para sempre , poderemos ir para a Itália, lá ninguém nos encontraria...

-Meu grande amor, poderemos fugir de todos, mas nunca conseguiremos fugir de nossas consciências. Amo muito meu pai, se tal fato acontecer ele não suportaria...

-Bom, minha querida e linda Marie, diante de seu posicionamento, não me resta alternativa a não ser alistar-me nas milícias revolucionárias, pois se aqui ficar, não suportaria vê-la em outros braços.

-Também não vou pedir-lhe que fique, pois não suportaria a dor de vê-lo e não poder sentir os teus beijos, o teu abraço, não conseguiria suportar que você meu grande amor estar tão perto de mim e no entanto tão distante.

-Então meu amor, amanhã de manhã parto para a capital , e se um dia pudermos nos vermos novamente, quem sabe o que Deus nos dará!

E num beijo de despedida se separam!

Foi a última vez que se encontraram. O Tempo passou e o casamento de Marie e Ferdinand acontecera, em seguida nasceu o primeiro filho.

Cinco anos após as milícias contra-revolucionárias invadem a propriedade de Ferdinand e ao tentar defende-la é ferido mortalmente.

Ela, agora sem seu esposo, em profunda solidão, espera que um dia seu amado fadier entre pela porta de sua casa e sonha com seus abraços e beijos, quase sempre vai a casa de sua mãe a para saber de noticias do Capitão Fadier e sempre a mesma coisa, está no front.

Um dia sua mãe entra porta adentro de sua casa chorando, trazendo lhe na noticia que seu filho e o amado de Marie fora morto em combate e que seu corpo estava sendo levado para a capela da cidade.

-Marie não teve coragem de ver seu amado inerte naquele ataúde e no alto da colina sozinha assiste o cortejo se dirigir ao pequeno cemitério da cidade.

Quando todos se afastam, ela se aproxima silenciosamente até onde está a sepultura de seu grande amor e lê a frase epigrafada na lápide a seguinte inscrição: “Nenhuma batalha, nem mesmo a morte é mais triste e doloroso de que te perder, mesmo em outro lugar, em outro tempo eu a reencontrarei”

. Ela chora copiosamente e coloca uma rosa vermelha por sobre a lápide e afasta-se. O tempo passou e nunca mais ela voltou seus olhos para outro homem. Ao morrer, já velhinha fizera um pedido que fosse seu corpo colocado junto com o de Fadier.

Num salto no tempo vamos a 1850, capitania de São Vicente, Vila de São Vicente, o português Manuel Ferreira e sua esposa Ana Maria têm dois filhos João e Manuela, dois jovens fortes que vieram de berços educados da corte lusitana e agora em terras brasileira vinham, com o intuito de ajudar o pai a adquirir fortuna na venda de fazendas portuguesas, as quais tinham a melhor qualidade do reino.

Em contra partida Joaquim de Albuquerque seu concorrente tinha um filho, Antonio de Pádua, nome este em homenagem a devoção pelo santo casamenteiro.

Na comemoração das festas de fim de ano, Manuela e Joaquim são apresentados por seus pais. No instante em que se entreolharam, as lembranças de um outro tempo, de uma outra época fizeram seus corações baterem descompassadamente...Ali novamente estavam o Capitão Fadier e sua bela Marie de Tojoan ! Com certeza, embora sem saberem poderiam realizar suas juras e ficarem juntos. E assim fora combinado por seus pais, no dia de Santo Antonio, se casariam na capela construída pelos padres jesuítas.

A felicidade parecia que não tinha fim para os dois enamorados, nada desta vez poderia conter o sonho de ficarem juntos.

O Pai de Antonio pede que ele vá uma província que ficava perto da Vila e fosse levar algumas peças para seu amigo que estava necessitando das mesmas para que pudessem seus filhos fazer suas roupas para um grande sarau que o coletor de imposto iria oferecer.

Antes de ir ele vai visitar Manuela e a convida para que o acompanhe e ela aceita . Quando lá chegam ela conversa animadamente com o pároco daquela pequena vila. Nisto chega um rapaz que a vê e não mais a esquece, um soldado que ali estava em serviço da corte e do rei .

Este soldado Dresier de Lamantan , holandês de nascimento, era Ferdinand , o esposo de Marie que tinha sido morto por invasores contra revolucionário.

Ao chegar em sua cidade Antonio pergunta a Manuela porque ela estava tão calada durante toda a viagem e ela responde que aquele soldado tinha deixado nela estranhas impressões, também disse a Antonio que ele tinha dito que a veria novamente. Após esta conversa, que não deixara Antonio preocupado, as coisas voltam ao normal até que dois meses antes de seu casamento, para surpresa de Marie, Dresier chega em sua loja e conversam animadamente, neste instante chega Antonio e fica muito enciumado de ver tal cena e começa uma discussão e nesta discussão Dresier saca de sua baioneta e vai matar Antonio, mas para salvar a vida de seu amado Manuela pula e é ferida mortalmente.

A cena de dois amores diante do sepulcro acontece, desta vez seria ele a sofrer com a ausência de sua querida amada. Seu desespero aumenta cada dia, e ele resolve entrar para a ordem dos jesuítas e voltando-se para a ajuda daqueles que precisam da mão de Deus.

Hoje como essas almas gêmeas, muitos ainda esperam por seu grande amor, talvez encontraram mas ainda não se aperceberam desse feito,assim como também ainda não se reencontraram, ou se reencontraram e não podem ficar juntos .

Somente o coração daqueles que amam podem dizer onde está seu grande amor. Às vezes dentro de nossos corações irrompe uma saudade e uma insatisfação que não podemos explicar sua razão, não podemos deixar que essa irrealização nos torne e faça nossa vida perder o brilho e a grandeza de poder estar aqui e procurar ainda que pela vida toda como um garimpeiro que com sua bateia vasculha a areia na procura do diamante que irá realizá-lo. Os diamantes brilham, atraem a atenção, são cobiçados, mas devido a seu grande brilho, são sempre solitários. Existe sempre algum joalheiro que busca as grandes gemas valiosas para dar a ela o brilho que tem, mas que falta irradiar-se, irradiar-se primeiro dentro de si, para depois levar seu brilho a todos.

Gilmar/dezembro/2002