Samara
Samara se sentou ao pé da janela, e ficou observando as gotas de chuva batendo no vidro e escorrendo lentamente. A pequena fresta que ela deixara, trazia de fora um vento frio e úmido com um cheiro leve de maresia. Era uma das coisas que ela mais gostava a respeito da cidade. O fato de estar a beira do mar. Mesmo quando ele não estava a vista, ainda se fazia presente.
Sentiu uma urgência de acender um cigarro, mas resistiu ao vício. A vontade era recorrente, apesar da resistência. Substituía o cigarro por café. Mas as vezes parecia que fazer aquilo só piorava tudo. Tomou um grande gole da xícara que tinha consigo e a depositou no parapeito da janela.
Não tinha ninguém por perto, ela estava completamente sozinha no apartamento. Apesar de que nas ruas abaixo, várias pessoas corriam e se escondiam da chuva e rumavam para casa naquele fim de tarde e começo de noite. Cansando-se de ficar ali, levantou-se e andou um pouco pela sala na ponta dos pés como se fosse uma bailarina. Sabia que não tinha nenhum talento para dança. Não tinha delicadeza, não tinha paciência nem a determinação necessárias. Mas as vezes gostava de fingir. Dançou e assoviou, imaginando um palco a sua frente. Sorriu como se fosse criança, e caiu sentada, rindo.
Ela estava feliz, naquele cenário melancólico. Ruminava um prazer agridoce que raramente tinha experimentado na vida. Não fazia uma hora que a pessoa com quem tinha dividido a noite anterior e a manhã que se seguiu, saíra pela porta do apartamento, também sorrindo.
Samara não estava acostumada a encontros casuais. Muito menos a encontros casuais como aquele. Tinha tido uma vida onde a repressão dos próprios desejos fora uma triste constante. Tinha se acostumado com relacionamentos assimétricos, onde ela sempre se contentara em ser a menor parte. Tinha aprendido a lidar com aquilo com certa normalidade e também, a se conformar quando tudo acabava. Apesar de tudo, nunca perdera o entusiasmo em amar.
Samara já estivera tanto com homens quanto com mulheres. Claro que seus casos com garotas sempre tinham sido secretos e carregados de culpa. Mas desde que passara a morar sozinha essa culpa foi sumindo até desaparecer. Ela pagava suas próprias contas e sentia que não devia mais satisfações a ninguém. Pelo que sabia, seus parentes lhe ofereceriam milhões de julgamentos e críticas religiosas. Por ela, todos podiam ir para o céu e deixar o inferno para ela. Tanto fazia.
Ainda sentada no chão, Samara puxou um caderno para perto de si e começou a traçar um rosto. Tentava colocar no papel o rosto de sua companhia. Mas as memórias pareciam insuficientes. Lembrava de detalhes que não podiam ser desenhados. Lembrava do cheiro do perfume, da textura do cabelo, do gosto dos lábios, do toque das mãos, do calor das pernas, da leveza das carícias. Tudo isso parecia ser mais importante do que o rosto.
Ela se conformou e jogou o caderno no sofá.
Deitada no chão, Samara passou as mãos sobre o próprio corpo, ainda nu, e apreciou a reação que o toque dos dedos gelados trazia a sua pele.
Estava ansiosa para saber se outra noite daquela seria possível. Esperaria o telefone tocar como havia sido prometido.
Mas mesmo que não tocasse, ela sabia que teria para sempre consigo as lembranças,
e a esperança por outros fins de tarde e começos de noite como aquele.
Leves e serenos