História de pescador

Gostava particularmente de pescar. Era divertido, interessante, imprevisível. Não ligava muito para os peixes em si, mas estes certamente não podiam faltar. Era todo o conjunto; o ambiente, o praticar de suas habilidades – e, bem, ficar cada vez melhor -, os peixes que levava para casa, as conversas com as pessoas, quando havia algum outro pescador por perto, e com os peixes, quando estava só.

É natural que houvesse o cenário perfeito: sol brilhando, cardumes saltitando na água, sorte no anzol. As memórias de dias como esse eram sempre mais intensas, mais felizes. E não tardavam a pedir reprise. Quase pediam para serem as únicas a serem lembradas. Mas lá no fundo entendiam a importância dos dias nublados e daqueles em que voltava para casa de mãos abanando.

O objetivo parecia muito ser fisgar os peixes – o que faria perfeito sentido. E a sensação da linha puxando forte, querendo levar para o fundo da lagoa, era de fato um grande momento. Conseguir pegar os peixes era sempre bom. Mas tinha certeza de que se se tratasse apenas de facilmente retirar peixes da água, não haveria a menor graça. Precisava da emoção.

Dava para apostar que as vezes só ia para sentar no banco e olhar os círculos formados na água ao tocar da linha na superfície. Era quase mágico, hipnotizante. Gostava de notar os diferentes tons de céu que refletiam na água. E da sensação se sujar seus pés calçados de chinelos na grama meio enlamaçada. Eram detalhes meio únicos, característicos de quando saia para pescar. E isso tornava-os especiais.

Mas não podia pescar sem peixes. Não fazia sentido. Se estivesse frio demais e eles não quisessem se aproximar, não havia nada que pudesse fazer. Sabia que não existia nem chance de pegar algo, e portanto acabava indo embora. Corria o risco também de eles escolherem outras iscas, serem fisgados por outros anzóis.

Achava curioso aqueles que ficavam beliscando mas nunca eram fisgados. Será que eram espertos demais ou medrosos demais? Será que era experiência ou inocência? Nunca saberia o que se passava nos seus cérebros de peixe ao ver aquela comida mágica e atraente pendendo na água, que viera do nada, mas era tão convidativa. E esporadicamente sumia, ora retornava; às vezes caía e afundava. De repente lá estava ela de novo, renovada.

Porém não podia se afeiçoar aos peixes. Além do mais, estava lá para fisgá-los, e bem sabia que isso acabaria com suas vidas. Fosse esperteza, fosse medo, achava bastante sensato que se afastassem. Mas já não sentia pena daqueles que jamais retornariam à água. Afinal, gostava de pescar. E não era como se estivesse fazendo algo errado. Só achava um tanto irônico que aqueles seres indispensáveis para algo de que gostava tanto, e que proporcionavam tantos bons momentos, estivessem fadados a fugir ou se sacrificar. Se bem que às vezes escapavam triunfantes com a isca.

Talvez fosse justo, afinal. Todos tinham chance de ganhar algo; todos tinham algo a perder. Havia riscos e havia escolhas. Nada se fazia mandatório. Era uma combinação quase aleatória de escolhas e consequências, coragem e receios. Ainda assim, adorava um belo dia de sol, com a lagoa cheia de peixes contentes e saltitantes, esperando por suas comidas mágicas aparecem e sumirem, às vezes levando um de seus companheiros embora, às vezes comemorando a isca roubada. Adorava sair de casa para pescar.

Dancker
Enviado por Dancker em 22/04/2016
Reeditado em 25/09/2017
Código do texto: T5613341
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