Enrolando Línguas - Falar Espanhol é Moleza - O retorno
Socorro saiu de Minas para trabalhar uns tempos em um restaurante em Montevidéu, depois em outro em Buenos, depois em Assunção, aproveitando as facilidades de ser cidadã do Mercosul. Foi outra que pagou mico por não saber que com o portunhol não se brinca, por acreditar que espanhol é português mal falado e coisas assim. Nada disso. Deu-se mal e foi radical: prometeu nunca mais ir a país de língua espanhola. Ou, se fosse, ia falar alemão, persa, finlandês ou chinês. Menos espanhol. Ou portunhol.
Senão vejam: arrumou um namorado, o Valentim, um argentino jogador de rúgbi, um guarda-roupas de quatro portas, como se diz por aqui. Pois, um dia, brigou com ele, sem perdão, porque ele disse que seu coração não parava de LATIR por ela.
- O que? Não sou cachorra, não, seu fdp.
Mas ele queria apenas dizer-lhe que seu coração batia por ela, que a amava. E ele nunca soube exatamente porque ela parou de atender suas ligações, arrumar desculpas para não encontrar-se com ele e, um dia, se foi sem adeus, para nunca mais voltar. Valentim se lembra muito bem, era um dia muito frio, porém de um belíssimo sol portenho. Seus olhos azuis desviam o foco, se estendem pelo Rio da Prata lamuriosamente e derramam lágrimas quando se lembra dela, algo que não se enquadra nos seus dois metros de altura e seus ombros de guarda-roupa.
E não parou por aí. Um dia, querendo comer algo salgado, Socorro pediu um pastel e lhe trouxeram uma torta superadocicada. Outra vez, trabalhando de garçonete, uns senhores bem vestidos lhe pediram exclusividade para sua mesa, que lhe dariam, ao final, uma PROPINA. Preocupada com as investigações da Lava-Jato, já nem passou por perto daquelas mesas. Com tanta gente sendo presa no Brasil, com tantas listas aparecendo todo dia, preferiu não se arriscar e ser confundida com esses políticos com contas no Panamá e em outros paraísos fiscais. Mal sabia ela que os senhores bem vestidos apenas queriam dar-lhe uma GORJETA pela atenção especial.
E não ficaram por aí suas confusões. Um dia, ainda no restaurante, uma noite fria de inverno, um senhor de idade lhe pediu para guardar seu SACO no vestiário e ela lhe tascou um tapa no rosto.
- Atrevido! Pede a sua irmã.
Os dois se encontraram minutos depois, ambos fazendo queixa ao gerente. Ele, embora não tenha entendido o que ela lhe disse, por ter gritado com ele. E ela acusando-o de assédio sexual. Mal sabia ela que o cavalheiro apenas queria que ela lhe guardasse o PALETÓ no vestiário, coisa muito comum no inverno portenho. Saco é paletó, só isso.
De outra feita, confundiram-lhe a cabeça, apontando lá para o fundo do restaurante:
- Leve a conta para aquele PELADO, o que acabou de sair do banheiro masculino, agora, agora. Ele tá com cara que vai dar cano na conta.
- Que sem-vergonha! Você e ele. Tá me achando com cara de que?
A indicação do pelado era apenas para facilitar a entrega da conta, um PELADO é apenas um CARECA. E VASO é apenas um COPO. E COPA é TAÇA. E ZURDO é CANHOTO. E MOZO é GARÇOM.
Desistiu de Montevidéu e Buenos Aires. Pensou que em Assunção as coisas lhe sairiam melhor. Mas logo no primeiro dia, tendo viajado de ônibus o dia inteiro, chegou a Assunção de noitinha. Queria comer algo leve, para dormir bem, descansar e sair no outro dia em busca de trabalho. Olhou o cardápio e, sem duvidar, pediu:
- Quero sopa.
O "mozo" veio logo com o pedido. Ao ver o conteúdo do prato, levantou-se e disse:
- Não, não, eu pedi sopa, não um cuscuz. Adeus, adeus...
Socorro passou uns meses traumatizada, numa câmara de descompressão, morando em Salvador, esquecendo seus infortúnios no Sul, ouvindo só a doce melodia do baianês. E, como prometera, nunca mais ia sair do Brasil para passear ou trabalhar em países vizinhos. Chega de pagar mico. Começou a estudar chinês, porque lhe disseram que quanto mais diferente fosse o idioma menos chance teria de pagar mico.
Agradecimento:
(Obrigado ao amigo e leitor poliglota, Hélio de Araújo Lobo, que colaborou com a nossa historieta e indica, para os que queiram conhecer mais sobre o assunto, o link abaixo: http://culturaespanhola.com.br/blog/os-100-maiores-falsos-cognatos-em-espanhol)