Mostrando os documentos

O momento mais solene na vida de um Embaixador é justamente quando exibe os documentos. Que nem são seus, aliás. São do mandatário que o envia a representá-lo junto a um governo estrangeiro. São as chamadas cartas credenciais, assim mesmo no plural, mas que na realidade é uma carta só.

E geralmente protocolar e até anacrônica na redação e conteúdo. Seu início: "Meu bom e leal amigo...", que agora com o advento das mulheres ao poder, e você às encontra do Chile à Coréia do Sul, bastará feminizar esse enunciado. E talvez no fecho - que diante das ladies deve ser mantido bem fechadim - possa se aventurar quiçá a um beijim? Mas, devagar, sensatez, não se pode fazer tudo dilma vez...

De qualquer forma, e conquanto breve, o momento é solene, de brilhar, da loção capilar - se eventual bulbo ainda restar - aos sapatos pretos, feito espelhos a reverberar. Entregue a carta, que nunca passa de uma folha, vai-se á página seguinte, oral. E para se dar idéia mais consistente de preservação da soberania linguística - e não língua estica - com intérprete ainda mais formal fica. Ou formol, sem brincadeira da Trol. E, tudo se faz de pé, o tempo e precioso e a fila tem que andar. É protocolar, e preto, no branco, botar.

E aí é como se o Embaixador, de cristã crença, sentir-se batizado, acreditado e em válido interlocutor transformado. Com sua entourage, ele volta então para a sua residência oficial - na Grã Bretanha faz-se exceção com o andar cavalar das carruagens - e uma vez em casa, o já agora Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário (não confundir com penitenciário!) e anfitrião oferece uma recepção é que o champagne comanda a celebração. Isso se for moço humano - e nunca, nunca, muçulmano que pra provar que não é eunuco, espalha só suco.

De uma única exceção tivemos notícia, e triste por sinal, sobre esse ritual. E aconteceu justamente na nossa abençoada terra de Caminha, quando a mandatária recusou-se a receber o Embaixador-designado da Indonésia, dando um pé nas nádegas da diplomacia rumo a vergonha da queda numa falésia.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 11/03/2016
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