O tempo e eu
No entanto, tudo passou. Alguns pontos de referência foram perdidos. Mas o Tempo, curador que seja, não fará esquecido o gosto da canela, o cheiro das tardes; nem dos papagaios que mais alto alcançaram o céu, as pipas que soltei.
O Tempo, o soldado que subjuga o mundo com seu chanfalho enferrujado, não fará esquecido o fato de que nunca pessoas tão importantes quanto nós pedalaram pelo parque.
Não será, portanto, o Tempo, o compasso que tanto nos ameaça, que me fará esquecer que o meu amigo era a única restinga nas noites de pesadelos. E o rio continuará no mesmo lugar do mundo.
Um dia as minhas mãos perderão o tato, estou certo disto, e os meus braços já não mais se farão erguer, mas a cadeira de armar para sempre estará aberta, na mesma posição na varanda, onde poderei estender o meu corpo debilitado sempre que precisar; e mesmo que os meus olhos ceguem, não deixarei de ler, seja em pensamento, seja com a ponta dos dedos, os versos de Olegário Mariano escritos na agenda velha que, mais tarde, vai se desfazer sobre a cômoda do quarto. Minha memória, mesmo que em momentos esparsos, me trará recordações das feições do meu amigo, com imagem de Narciso, o meu Jacinto.
As Escrituras estarão sempre abertas sobre a minha mesa de cabeceira e Davi sempre estará lá para me consolar com seus salmos nos dias que o meu coração apertar.
Sei, pois, que a sorte é quase sempre fatal, porém, até esta possui uma falha; logo, nem mesmo o que chamamos por destino, embora esteja muito além de nossas vontades e conveniências, fará esquecido o fato de que eu tive um bom amigo, alguém que pertenceu a mim; por tempo minguado, sim, mas pertenceu a mim.