Carta
Paul acordou no sofá da sala, sentiu um gosto estranho em sua boca, sua cabeça estava doendo muito e tudo parecia girar. Sua pele parecia transpirar álcool. Olhou à sua volta e encontrou algumas garrafas de cerveja espalhadas pela sala, havia caixas de pizza na velha mesinha de centro e uma garrafa de uísque – vazia - ao seu lado. Não se lembrava de nada que havia acontecido na noite passada.
Depois de lavar o rosto com água gelada, ele se esforçou para tentar lembrar o que havia acontecido para dormir ali, naquele sofá duro e surrado, com aquelas bebidas por toda a extensão da sala. Esforço em vão, não se lembrou de nada.
Vasculhou a sala antes de começar arruma-la e encontrou um papel amassado debaixo das caixas de pizza. Sua cabeça ainda doía e sua vista estava embaralhada demais para conseguir ler o que estava escrito. Parecia uma carta. Ele dobrou aquele pedaço de papel e guardou, depois começou arrumar aquele cômodo que fedia a cerveja. Já se via algumas baratas por entre as garrafas.
Ligou o rádio e colocou para tocar o álbum Beneath the Skin, da banda Of Monsters and Men – seu álbum favorito. Logo começaram a vir em sua mente muitas lembranças aleatórias, tudo estava começando a ficar mais confuso para ele. Momentos que ele não sabia se havia vivido ou se era apenas meros sonhos. Ao tocar Human, seu coração começou a acelerar incontrolavelmente. Aquela música entrava em seus ouvidos e o atormentava, então, em um surto de desespero se jogou novamente no sofá e desmaiou.
Ao acordar, a última música do álbum tocava no rádio, era Backyard – a preferida dele. Novamente, lembranças vieram à sua mente ao ouvir aquela letra, mas dessa vez estava tudo organizado e ele conseguia se lembrar de Samantha – sua única namorada que havia falecido há 3 meses. E então, ele se lembrou vagamente que havia escutado essa música na noite anterior, e como tal sugeria em sua letra...
Find me in the backyard
Find me in the backyard
... Ele correu para o quintal, em desespero para encontra-la, mas obviamente ela não estava lá, apenas havia uma correspondência na caixa de correios que ele não abria desde antes da morte de Samantha, por orientação dela mesmo. Era uma carta.
Lembrou-se do papel amassado que encontrara debaixo das caixas de pizza e correu para pegá-lo. Era a carta de Samantha, escrita 3 dias antes de sua morte. Sua vista já estava melhor e o permitia ler as palavras dela, mesmo o papel estando completamente desfigurado. As lágrimas logo começaram a escorrer quando começou a ler.
Paul, meu amor
Nesses 2 anos que ficamos juntos, fui uma mulher completamente feliz. Cada momento junto de ti foi especial e espero que você nunca se esqueça do que vivemos. Gostaria de viver mais dois, dez, duzentos anos ao seu lado, mas sabíamos que isso seria impossível. Meu tempo se esgotou.
Pedi que não abrisse sua caixa de correio até sentir o momento exato e estar preparado para ler esta carta, pois não queria que sofresse antecipadamente.
Ontem fui ao médico como de costume, para realizar exames e ver se meu tumor havia regredido ou não. O diagnóstico infelizmente foi o pior possível, me restava pouco tempo de vida, já não havia mais o que fazer. Então, resolvi viver esse pouco que me restava de maneira mais intensa contigo. Abandonei os remédios, já que não fariam mais efeito algum e me libertei do peso de imaginar um futuro, essa possibilidade já não existia para mim.
Por esse motivo te pedi para acamparmos e naquela mesma noite, já na barraca, chorei sem te dar explicações. Eu já estava morrendo, mas me doía imaginar que te deixaria e que sofreria por minha causa. Não queria que sofresse ainda mais aguardando minha morte que logo viria. Foi um ato egoísta, mas não te falei nada, pois queria te ver sorrindo ao meu lado nos meus últimos dias. Não pensei que isso te machucaria mais.
Escrevi essa carta para te pedir desculpas por não cumprir as promessas que fizemos, por te magoar tanto e te fazer sofrer com minha morte. Queria que nosso infinito fosse maior, mas não pude. Desculpe-me meu amor, falhei mais uma vez.
Espero que consiga superar esse sofrimento em breve, lembrando de todos os momentos felizes que passamos juntos, deixando esse seu sorriso amável tomar conta de seus lábios.
Meu amor espero que me perdoe e que tenha compreendido meu ato, egoísta, mas eu não suportaria viver meus últimos dias te vendo sofrer. Só queria te ver e te fazer feliz. Falhei, mas saiba Paul, que te amei verdadeiramente!
Obs.: tenho certeza de que, se está lendo essa carta é porque escutou nossa música favorita do Of Monster and Men e compreendeu que eu estaria te esperando em seu quintal.
Samantha.
Ao terminar de ler, tudo fez sentido e logo se lembrou da noite anterior. Ele havia se desesperado ao ler aquela carta quando a pegou na caixa de correio e assim resolveu se embriagar, na tentativa de esquecer tudo aquilo e na esperança de ser apenas um terrível pesadelo. Mas não foi, era real, Samantha havia o deixado e lhe enviado aquela carta para desculpar-se de não ter lhe contado sobre sua morte precoce que estava chegando.
Ele então compreendeu os motivos dela, pois ela o conhecia muito bem e sabia que seriam dias torturantes para ambos caso ela contasse sobre o pouco tempo que lhe restara. Ela o conhecia o suficiente para tomar tal atitude. Além disso, conhecia tanto sobre ele que sabia sobre seu álbum favorito, sua música predileta e de que ele estaria completamente preparado para enfrentar aquela realidade quando escutasse com o coração sua música favorita e não apenas com os ouvidos.