UM TOLO VISIVELMENTE MAIS FELIZ

Cinco da tarde, trem apinhado.

Ele entra desgrenhado e suado após mais um dia de trabalho.

Meia-idade, muito alto, óculos de grau de armação grossa. A barba por fazer, o terno amassado.

Observo quando procura um lugar no canto do vagão e fecha os olhos.

Não paro de olhar. Quero ter algo para fazer durante os próximos vinte minutos e penso em como deve ser a vida dele: noites tediosas, um casamento mergulhado na rotina, contas todo fim de mês, um trabalho chato e quase ou nenhuma perspectiva de que algo melhore.

Não me imagino assim e sinto certo alívio por estar onde estou: confortável nos meus dezenove anos.

O trem para na quinta estação. A maioria desce. Ele fica, eu também.

Continuo olhando por pura diversão.

Sapatos relativamente bons, a pasta também.

Talvez um metro e noventa e cinco, quem sabe até dois. O mais alto do vagão.

Fios grisalhos ganhando dos pretos, pequenas rugas em volta dos olhos, unhas roídas. No geral, passa uma imagem de desleixo ou pelo menos de alguém que já está no automático e já não vê sentido na escolha de camisas, no corte de cabelo ou na imagem que vê no espelho todos os dias.

Um advogado frustrado. Ou quem sabe um executivo preterido por alguém que acabou de chegar e já foi promovido. Talvez um comerciante, um vendedor... Poderia até ser um político tentando ser honesto naquele uniforme clássico de quem não tem muita grana, mas quer passar um ar respeitável...

Queria saber no que trabalhava só para continuar a história.

Nova parada do trem. Mais gente sai, poucos entram.

Eu vou até o ponto final.

Olho meu rosto no reflexo do vidro. Quero tanta coisa... Tenho tantos planos... Só não quero acabar como ele... Hoje quero beber, amanhã ainda não sei.

Meus tênis me fazem rir. Sou uma piada de roupa estranha com saia preta e pés em vários tons de cinza.

Ninguém vai me levar a sério assim...

Sinto algo se movendo em minhas costas e junto com meu reflexo... Ele.

Viro assustada e vejo os olhos por trás dos óculos. Castanhos e não azuis como eu imaginava.

Ele me olha com curiosidade, mas não diz coisa alguma. Apenas fica muito próximo. Fico incomodada.

Do nada diz seu nome: "Paulo".

Respondo sem jeito, querendo sair dali e inventando um nome qualquer: "Gilda".

Ele ri: "o nome da minha avó é Gilda".

Também rio, relaxo um pouco e digo outro nome, desta vez, o verdadeiro.

O trem para na penúltima estação.

Ninguém entra, ninguém sai.

Vejo a aliança grossa e brilhante e me pergunto o que ele pretende com a conversa. Não que a ausência dela fizesse diferença.

Ele fica com os olhos grudados em mim.

"Você estava me olhando".

Permaneço muda. Não queria explicar que era só uma brincadeira para passar o tempo.

"Queria levar você para jantar".

Meu estômago ronca, penso em comida, mas me pego rindo sem graça.

"Queria levar você para dançar".

Ele vê meu olhar de surpresa. Eu vejo seu olhar de vontade.

"Queria saber o que dizer para alguém da sua idade".

Eu não respondo.

O trem para na última estação.

Olho para ele e me despeço. Ele ensaia um passo em minha direção, mas recua... Então sorri à espera de algum sinal.

Sorrio de volta sem muita convicção.

O trem anuncia que partirá em um minuto. Caminho pela estação, mas paro alguns metros adiante

Volto e o vejo com uma expressão cheia de esperança.

Paro na porta e tentando um sorriso carregado de promessas, pergunto: "O que você faz, Paulo?"

"Sou professor. Universitário."

Um professor...

"Qual curso?"

"Astronomia".

Sorrio novamente, ele endireita seus quase dois metros de altura e abre um sorriso cheio de expectativa.

Continuo olhando para ele até que uma voz metálica anuncia que as portas serão fechadas.

Pareço estar decepcionada com a interrupção.

Antes que o trem parta, porém, mostro minha mochila encardida com estampa dos cinco maiores planetas.

O trem partiu e levou Paulo visivelmente mais satisfeito. Quem sabe, até um tanto mais feliz.

Eu fui para casa pensando no quanto aquelas viagens me irritavam, no tanto que achava astronomia um saco e em porque continuava usando aquela mochila idiota.

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 06/10/2015
Reeditado em 06/10/2015
Código do texto: T5406424
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