A AGONIA DA MOSCA
(Conto/22)
A leitura foi interrompida por um som leve, distante e indefinido. Volto ao meu livro e já nem lembro onde parei se foi no segundo ou no terceiro parágrafo, da página. Da sacada, visualizo quase tudo amarelo contrastando com o azul do céu e, percebo uma neve de flores, ainda mais amarelas, forrando o chão da rua e da calçada da minha rua, ao rez-de- chaussée. A brisa da tarde persiste e o tapete amarelo-ouro, vai ficando volumoso formando uma espessa camada aveludada, uma paisagem linda e digna, em uma das ruas da minha cidade de Curitiba. O zumbido leve, volta à cabeça que se confunde com o frear dos ônibus e percebo movimento de pessoas, sob as copas das árvores da ladeira, espremendo-se para entrar no lotação como uma fila de porcos que entram no curral cuja diferença é que, nesse meio de transporte, as pessoas correm e se apinham para garantir o dia seguinte, e os porcos entram prensados para comer. Mal sabem esses azarados animais o que lhes se reserva no dia seguinte, ou dentro de alguns meses. – Ironia à espécie. - Cala o pensamento e ouço as folhas do meu livro, em sintonia com o tempo. A trama considera culpado John, que se julgava livre de qualquer suspeita e, este, nem desconfia que o seu destino, pouco será próspero e seu projeto de vida enveredará para “un grand-mal-final”.
A persistência é considerada, ápice, para todo e qualquer objetivo e eu não estou conseguindo fixar-me à leitura desde a interrupção daquele som indefinido e fraco que repercute na minha cabeça feito uma sinfonia triste de final de tarde vinda de parte também indefinida que cala fundo e passa como à tarde que se despede dos loucos e dos amantes em circunstâncias quentes e/ou sofridas, como as margaridas do canteiro central da minha casa, que se fechavam, no tempo da minha infância, à espera de um novo amanhecer, se refrescavam e sonhavam com as delicadas gotas do orvalho, alegrando-se com o nascer do sol do novo dia. Transporto-me e percebo familiar, agora, aquele lusco fusco inquietante de som nada feliz que ressoou há minutos atrás.
- “Pela manhã chorei, porque, o meu tempo é calado e inquieto”. Fora talvez pela minha angústia por algo que tranca o meu coração por razões absolutas e inconsequentes de um tempo que se desdobra e nada vejo. É estúpido dizer e, nem sei por que o faço, porém as historias me distraem. Volta o instante e ouço novamente, ainda mais agudo, aquele zumbido ainda mais inquieto que antes e mais denso. As imagens se formam no pensamento e associo o zumbido, ainda agora mais familiar, e procuro ouvir atentamente e, - “ o livro pode esperar mesmo que me incomode sair do caminho do quase conhecido para o desconhecido.”
Lá estava à mosca, de cabeça para baixo chorando seus derradeiros instantes de vida, como uma avestruz de cabeça na areia, com o seu corpinho, rijo e empinado num cantinho do parapeito da sacada do meu apartamento, confundindo-se com a azul da parede, da sua cor quase grafite. – “A leitura pode aguardar. Pode aguardar o nada incógnito” - O desconhecido fascina o momento e necessito não interromper a cena daquele inseto moribundo parecendo eletrocutado por um minúsculo raio de néon sem poder se desvencilhar da luz fosforescente que parte de seus olhos, causando a impressão de que o que ele desejaria, era realmente morrer. Já teria vivido, saboreado e infectado muita coisa em sua vida e o trigésimo dia, o derradeiro momento, chegara. Agonizava perceptivelmente através da vibração das suas asas membranosas, uma indesejável sinfonia de morte, executada pelo próprio e minúsculo corpo de inseto. Nem a brisa da tarde triste oxigenava a pequena mosca, e podia dar mais tempo a esse inseto de metamorfose completa e olhos facetados. Era o seu tempo e os últimos minutos da sua pequena e curta vida. Trinta dias viveu; onze minutos e trinta e sete segundos lutou para não morrer, fora seu tempo de agonia. Um tempo muito longo de sofrimento e resignação contra a morte se comparado à curta vida da espécie.
O som cessou e o vento soprou uma sinfonia amarela levando o minúsculo corpo confundir-se com a neve de flores ainda mais amarelas no rez-de-chaussée, junto ao tapete da rua da minha casa; nesse momento, a nostalgia ferra o meu coração e o instante é único: apenas lembro-me de quanto eu era feliz e não sabia. - Um paradoxo, se comparado à agonia da mosca.
Rio de Janeiro 10 de julho de 2009-07-10
Amct 22
(Conto/22)
A leitura foi interrompida por um som leve, distante e indefinido. Volto ao meu livro e já nem lembro onde parei se foi no segundo ou no terceiro parágrafo, da página. Da sacada, visualizo quase tudo amarelo contrastando com o azul do céu e, percebo uma neve de flores, ainda mais amarelas, forrando o chão da rua e da calçada da minha rua, ao rez-de- chaussée. A brisa da tarde persiste e o tapete amarelo-ouro, vai ficando volumoso formando uma espessa camada aveludada, uma paisagem linda e digna, em uma das ruas da minha cidade de Curitiba. O zumbido leve, volta à cabeça que se confunde com o frear dos ônibus e percebo movimento de pessoas, sob as copas das árvores da ladeira, espremendo-se para entrar no lotação como uma fila de porcos que entram no curral cuja diferença é que, nesse meio de transporte, as pessoas correm e se apinham para garantir o dia seguinte, e os porcos entram prensados para comer. Mal sabem esses azarados animais o que lhes se reserva no dia seguinte, ou dentro de alguns meses. – Ironia à espécie. - Cala o pensamento e ouço as folhas do meu livro, em sintonia com o tempo. A trama considera culpado John, que se julgava livre de qualquer suspeita e, este, nem desconfia que o seu destino, pouco será próspero e seu projeto de vida enveredará para “un grand-mal-final”.
A persistência é considerada, ápice, para todo e qualquer objetivo e eu não estou conseguindo fixar-me à leitura desde a interrupção daquele som indefinido e fraco que repercute na minha cabeça feito uma sinfonia triste de final de tarde vinda de parte também indefinida que cala fundo e passa como à tarde que se despede dos loucos e dos amantes em circunstâncias quentes e/ou sofridas, como as margaridas do canteiro central da minha casa, que se fechavam, no tempo da minha infância, à espera de um novo amanhecer, se refrescavam e sonhavam com as delicadas gotas do orvalho, alegrando-se com o nascer do sol do novo dia. Transporto-me e percebo familiar, agora, aquele lusco fusco inquietante de som nada feliz que ressoou há minutos atrás.
- “Pela manhã chorei, porque, o meu tempo é calado e inquieto”. Fora talvez pela minha angústia por algo que tranca o meu coração por razões absolutas e inconsequentes de um tempo que se desdobra e nada vejo. É estúpido dizer e, nem sei por que o faço, porém as historias me distraem. Volta o instante e ouço novamente, ainda mais agudo, aquele zumbido ainda mais inquieto que antes e mais denso. As imagens se formam no pensamento e associo o zumbido, ainda agora mais familiar, e procuro ouvir atentamente e, - “ o livro pode esperar mesmo que me incomode sair do caminho do quase conhecido para o desconhecido.”
Lá estava à mosca, de cabeça para baixo chorando seus derradeiros instantes de vida, como uma avestruz de cabeça na areia, com o seu corpinho, rijo e empinado num cantinho do parapeito da sacada do meu apartamento, confundindo-se com a azul da parede, da sua cor quase grafite. – “A leitura pode aguardar. Pode aguardar o nada incógnito” - O desconhecido fascina o momento e necessito não interromper a cena daquele inseto moribundo parecendo eletrocutado por um minúsculo raio de néon sem poder se desvencilhar da luz fosforescente que parte de seus olhos, causando a impressão de que o que ele desejaria, era realmente morrer. Já teria vivido, saboreado e infectado muita coisa em sua vida e o trigésimo dia, o derradeiro momento, chegara. Agonizava perceptivelmente através da vibração das suas asas membranosas, uma indesejável sinfonia de morte, executada pelo próprio e minúsculo corpo de inseto. Nem a brisa da tarde triste oxigenava a pequena mosca, e podia dar mais tempo a esse inseto de metamorfose completa e olhos facetados. Era o seu tempo e os últimos minutos da sua pequena e curta vida. Trinta dias viveu; onze minutos e trinta e sete segundos lutou para não morrer, fora seu tempo de agonia. Um tempo muito longo de sofrimento e resignação contra a morte se comparado à curta vida da espécie.
O som cessou e o vento soprou uma sinfonia amarela levando o minúsculo corpo confundir-se com a neve de flores ainda mais amarelas no rez-de-chaussée, junto ao tapete da rua da minha casa; nesse momento, a nostalgia ferra o meu coração e o instante é único: apenas lembro-me de quanto eu era feliz e não sabia. - Um paradoxo, se comparado à agonia da mosca.
Rio de Janeiro 10 de julho de 2009-07-10
Amct 22