Traição e Morte
"Não houve a intenção de matar".
Esta era a frase que ele repetia dia após dia.
"Se assim fosse, eu já teria feito há tempos" - completava, ele.
Mas o fato é que havia matado.
Emotivo, descontrolado; perdera a razão, a compostura e a cabeça por alguns segundos e havia feito a besteira.
No início tentava não ligar, achar normal o comportamento dela.
Ela era querida, tinha muitos amigos, um emprego onde via muita gente. Portanto, natural que se desdobrasse em sorriso, beijinhos e cumprimentos.
Quando a conheceu até achou interessante aquele assédio todo. Dentre tantos a olhá-la com cobiça, era ele, o cara, o homem, o escolhido por ela que circulava altiva e alheia a qualquer assédio.
Da sua fidelidade, jamais duvidou. Tanto que também dentre tantas, casou-se com ela.
Mas como sempre acontece quando o deslumbramento diminui, passou a vê-la atenciosa demais, séria de menos e oferecida além da conta para os inúmeros homens com quem conversava.
Então surgiu Pedro com seu jeito arrojado.
Ele o viu pela primeira vez em um jantar de confraternização de fim de ano. Terno sob medida, loiro, carrão importado e muitas horas a malhar os músculos em alguma academia da moda. Para completar, era visto por todos como um intelectual. Falava sobre tudo, sabia tudo e é claro, era solteiro.
Pedro incomodou de cara, mas no meio do jantar passou dos limites quando devorou as pernas dela. Descaradamente, entre um gole e outro de bebida, o sujeito passava minutos inteiros a olhar as coxas da mulher dele que sorria simpaticamente de volta.
E assim, antes que terminasse o tal jantar, ele já imaginava mil e uma formas de acabar com a raça daquele vagabundo.
A partir daí não teve mais paz. Qualquer gesto dela levantava suspeita. O celular que tocava, os minutos checando os e-mails, a roupa nova... Tudo era motivo para ele imaginar que havia algo do tal Pedro na jogada.
Um dia, ela elogiou o cara. Falou da competência, do humor sempre para cima e das camisas caras de marca.
No outro, sugeriu que compraria para ele o mesmo perfume que o "Pedrinho" usava. Ele recusou fervendo de raiva. Não era um idiota, disse entre um palavrão e outro. Sabia muito bem o que estava acontecendo.
Ela negou achando graça e dizendo que não era nada daquilo que ele estava pensando.
A partir daí, ficou cada vez mais desconfiado.
Ela se cuidava agora como nunca havia se cuidado antes. Roupas cada vez mais escolhidas. Lingeries novas, brincos e saltos.
A cabeça explodia a cada vez que a via bela e perfumada. O ódio o corroendo como um verme faminto.
Pedro passou a habitar todos os pensamentos dele.
Via os dois em jantares românticos e em camas de quartos afrodisíacos.
Imaginava as conversas, os sussurros dele nos ouvido dela a arrancar gemidos.
Visualizava as risadas e as piadas que faziam dele. O tolo, o idiota, o babaca traído.
Passou a odiá-la. A vê-la como uma mulher vulgar, uma prostituta barata de todos e de qualquer um.
Deixou de visitá-la no escritório, pois já não conseguia encarar os olhares de todos aqueles homens que já haviam provado e se lambuzado com ela.
E então passou a ter nojo. Repudio ao toque e ao olhar dela. Náusea da voz, do cheiro, do sorriso.
E ela, assim que percebeu que ele andava nervoso, se fez toda manhosa, toda atenciosa, se desdobrando em falas macias para convencê-lo do amor e da paixão que sentia.
Na noite fatal, porém, não teve jeito. Ele não aguentou.
Ela, toda de preto, maquiada e perfumada com os cabelos espalhados pelos ombros, perguntou se ele gostava do vestido, mas ao terminar a frase teve certeza de que ela disse o nome do cafajeste, não o dele.
Então se viu muito pequeno, muito humilhado.
E no auge da ira ouviu a voz lá no fundo... "Trapo! Frouxo! Covarde!"
Cego de raiva esticou os braços em direção a ela, que, assustada, achou que ele estava passando mal e pedia socorro.
A voz gritava mais e mais e exigia que ele mostrasse do que era capaz.
Ela o traíra! Era uma vadia! - Repetia a cabeça latejante.
Ela teria o que merecia, a maldita!
Minutos depois, chorava sobre o corpo inerte.
O pescoço, antes branco e perfumado, pendia agora com marcas roxas e vergões.
Os olhos claros estavam congelados com a imagem do último sorriso insano dele.
Os soluços vieram com palavras de arrependimento.
Não importava mais com quantos homens havia dormido. Ele a amava e jamais tivera a intenção de matar.
Só queria se sentir mais respeitado, sentir que ela ainda pertencia a ele.
Sentir-se um pouco mais homem...
Dois dias depois, recebeu autorização para o enterro da esposa.
Pedro estava lá. Alto, forte, bem vestido. Um homem que ele jamais seria.
O ódio na garganta veio como fel, mas o espanto a seguir foi muito maior.
Ao lado de Pedro outro homem surgiu, secou algumas lágrimas e o beijou apaixonadamente na boca.