A última obra
O Sol espiava pelos pequenos furos da janela. Lá dentro estava tudo quieto, sendo o silêncio interrompido ora ou outra por uma leve respiração.
A luz do abajur se misturava ao cheiro forte do cigarro, num amarelado intoxicante que impregnava todo aquele ambiente e parecia sufocar todos os objetos daquele espaço com seus afiados dedos decadentes.
Alheio a essa atmosfera de morte, sentado numa poltrona desbotada com pequenos rasgos, havia um homem aparentando estar na casa dos quarenta anos. Em sua mão estava um cigarro aceso que era conduzido a sua boca de momentos em momentos, com uma lentidão aparentando indiferença.
O Sol tentava buscar os olhos daquele homem, mas ao refletir sua luz neles, tudo o que revelava era ausência, como se tivessem sido tragados. A vida penetraria naquelas órbitas que pareciam vazias?
A fumaça do cigarro era a continuação daquele olhar e à medida que se elevava pelo ambiente, acabava por apodrecer a luz solar. E aqueles olhos fitavam toda aquela extensão do espaço moribundo que lhe rodeava procurando tragar os restos de vida que ali houvesse.
Aquela pessoa, desbotada pela ação do tempo, levantou-se lentamente de sua poltrona e foi até uma mesinha à esquerda de onde estava e lá sentou, abriu uma gaveta, pegou um caderno e uma caneta e pôs-se a observar esses objetos por alguns instantes.
Pouco tempo depois ele começou a escrever alguma coisa. Sua letra era um pouco tremida, quase beirando o ilegível, mas nada que um pouco de esforço na leitura não consiga resolver. Isto provavelmente deveria ser resultado de pouca prática no decorrer dos anos. Apesar disso, todo um universo ia sendo criado. Cada palavra era minuciosamente esculpida, formando um tecido que começava a rascunhar o próprio ambiente que o rodeava, dando vida à matéria morta que lhe cercava.
Escolhida a última palavra, não lhe restava outra coisa, a não ser levantar-se, colocar o casaco, acender um cigarro e caminhar silenciosamente por algumas horas naquelas ruas vazias, como era de seu costume.
Uma vez mais o Sol espiou e pode ler aqueles versos sobre a mesa, sendo o primeiro a ter acesso àquelas palavras, que diziam o seguinte:
A Janela Fechada
A janela fechou.
O abajur apagado
É o sonho de outrora
que jaz esmagado
Na escuridão do quarto.
A cortina desbotada
Jamais mostrará
Seus desenhos delicados
Cobertos pelo silêncio.
Aqueles papéis espalhados
Na mesa, junto a algumas
Velhas fotos de infância
São restos de passados
Presos ao silêncio
Daquela escuridão, cujo ar
Solidificado entupiu
Toda extensão do quarto.
E a janela nunca mais se abrirá.