O Cabideiro
A imagem do cabideiro impregnado de toda a carga emocional das roupas usadas da semana me havia saltado aos olhos. Fui revendo, então, o ocorrido: vários dias de ônibus lotados, trocador sem troco, trocador de mau humor, trocador... vá tomar no cu!; a minha marmita, pela terceira vez em dez dias, violada no trabalho e aquela vontade crescente e trasbordante de ver a cara do chefe, como se em câmera lenta, toda enfiada na minha mão: “Ah, dessa vez não foi nada, não, Zé Roberto; te levaram apenas um bife!” Uma forte indisposição estomacal durante o dia e muita chuva no final da tarde. A tarde cinza e definitiva.
A cerveja importada e bebida com o dinheiro da despedida indireta emprestou ares de mistério à imagem do cabideiro, que estava ali, prostrado no meio do meu quarto. Alguém foi comprar a carne do churrasco, e assim, com um olhar mais relaxado, me permiti imaginar um esboço de esforço do cabideiro no sentido de ir para além de suportar o peso daquelas roupas penduradas, objetivando, incrivelmente, a sua fiel servidão a mim. Imaginei, mais ainda, toda a sua tentativa de ser o sumidouro das agruras do meu desatino, o bueiro das minhas decepções, algum catalisador dos males daquele “pequeno burguês.”
Peça única trabalhada em jacarandá - bahia, o cabideiro foi arrematado por mim, há algum tempo, em um desses leilões beneficentes – na época, a minha realidade financeira era outra. Agora, eu estava ali... o churrasco, cadê? Onde está a carne? A cerveja estava acabando, mas a carne já estava sendo assada; fui conferir.
Mesmo no quintal, a imagem do cabideiro não me saía da cabeça, “aquele sumidouro das agruras do meu destino, o bueiro das minhas decepções... “
- A cerveja acabou! – alguém falou. Tem nada, não; manda comprar mais... “algum catalisador dos males daquele pequeno burguês...”
- Acabou também o carvão, já procuramos e não encontramos em lugar nenhum.
Taca fogo no cabideiro!