Sabedoria

SABEDORIA

Já não parecia o bastante a esposa ter-lhe pego o celular para uma rápida fiscalização de rotina, queria, ainda, dar uma rápida checada na caixa de e-mails do marido. Talvez porque Renato fosse um rapaz dotado de muitos atrativos, ou talvez pela obsessão que tomava conta de Sofia. Não importa onde o marido estivesse, ou com quem estivesse, a primeira hipótese a ser cogitada seria a traição.

Sete da manhã, Renato se prepara para ir ao trabalho, desce e toma café com a esposa. Inesperadamente uma pergunta surge:

- Já pronto a esta hora? - Indaga Sofia.

- O que há de mal? – Retruca o marido.

- Seu horário não é às oito?

- Vou ao barbeiro antes de entrar no serviço – Respondeu Renato, levantando-se da cadeira, já se aborrecendo.

- Até à tarde! – Diz a esposa, procurando, inutilmente, reverter a situação.

- Até!

Antes das oito da manhã Renato chega ao Barbeiro:

- O que você manda hoje, Chefe? – Pergunta o barbeiro, com ar de cortesia.

- O mesmo de sempre, Onofre, barba e cabelo. Você acha que termina antes das nove?

- Pode procurar outro barbeiro se eu não terminar! Assistiu ao jogo de ontem? Não acredito que o nosso Brasil perdeu para aqueles alemães dos infernos! E uma goleada inesquecível!

- Nem me lembre, Onofre, nem me lembre!

Conversa vai, conversa vem, o barbeiro termina o serviço e Renato paga a conta. Despede-se de todos que ali se encontram, demonstrando a Onofre estar satisfeito com o seu corte de cabelo e com o modelo de sua barba, e entra no carro com intuito de seguir caminho rumo ao tão indesejado trabalho. Logo após sua saída um dos clientes sente algo vibrar no chão: Renato, sem perceber, derrubou o celular enquanto cortava o cabelo. Antes que fosse possível fazer-lhe a entrega do objeto uma tragédia acontece.

Na Rua de Sinhá Surpresa se ouve um estrondo em frente à barbearia. Um acidente gravíssimo entre um carro e um ônibus. Desesperadamente todos saem de dentro do estabelecimento atônitos, pois fazia poucos instantes que Renato havia saído do local em que estavam reunidos.

A multidão se amontoava. Já sem que pudessem conter a conturbação de seus corações, os amigos de Renato choravam inconformadamente, como se pressentissem a desgraça que teria sucedido ao companheiro. Ao chegarem mais próximo ao local do acidente, por um instante pareceu que ambos os corações que ali estavam se organizavam para uma parada cardíaca coletiva. As palavras não surgiam com a mesma naturalidade que há alguns minutos, na sala da barbearia. Estavam todos tão perplexos com aquele corpo pálido e aparentemente frágil estendido ao chão, que, por mais que lutasse contra, não conseguiam externar suas emoções. A única pista de conversa que surgiu naquele momento, ao qual era demasiadamente desprovido de qualquer possibilidade de reação, foi a que Onofre conseguiu proferir:

- Seu celular caiu no chão da barbearia. Estava vibrando, acredito que há vários minutos. Foi o Garcia quem o encontrou. Era ela quem ligava, insistentemente – Falou o barbeiro a Renato, que estava agachado no chão, ao lado de Sofia, morta.

Naiane Dieb
Enviado por Naiane Dieb em 30/03/2015
Reeditado em 30/03/2015
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