Suspiros entre sons de um violino

Levantou-se e pegou um copo e dirigiu-se ao filtro. A garganta estava levemente seca e pedia água. Talvez não fosse uma vontade de seu corpo, mas apenas mais um jeito de lançar seus pensamentos absortos a algum objeto. Materializar em algo aquelas ideias acompanhadas de um olhar vazio.

Olhou o relógio; meia-noite. “Feliz ano novo a todos!”. Esboçou um pequeno sorriso de ironia e tristeza, daqueles que se dá quando se está sem graça ou evitando chorar. Colocou o copo na mesa, com metade de seu conteúdo já bebido. Meio cheio ou meio vazio? Meia-noite. Meia-noite e um.

Virou a cabeça e começou a observar o ambiente. Estava escuro, apenas com a luz de algum eletrônico qualquer que trazia um pouco de luz ao cômodo. Mas fora de onde a luminosidade do aparelho tocava tudo jazia em um breu tipicamente noturno. E agradável, até.

Colocou os fones e deixou-se pela última vez ser vítima de uma brutal morte do som do violino. Toda vez que o arco tocava as cordas, mesmo que não produzisse som algum, sentia-se como se sua garganta estivesse sendo impiedosamente cortada. Segundo movimento em E bemol de Schubert, trio para piano, violino e violoncelo. Aquilo era o som da morte. Da melancólica e tranquila morte. Doce, até. Que prazer morrer assim. E isso porque esta composição não é um réquiem.

Dirigiu seus olhos a porta que dava ao pequeno cômodo que guardava tantas lembranças, a grande maioria lhe trazia tristeza. Cultivava em casa um espaço dedicado aos piores momentos de tua vida; já tinha enlouquecido e o pouco de realidade que conseguia era tendo dor. Aquelas dores, em específico. Suspirou alto e voltou a concentrar-se no som. Era um bom jeito de se começar o ano, sem vozes, apenas sons. Sons lindos, sons de cordas mortais.

“Quanta história uma peça clássica pode guardar, além de sua própria?”, pensou. De qualquer modo, nem importava. Ou talvez importasse, pelo menos para o quarto do maestro. Aquele santo e maldito quarto. “Chega de olhar para ele”, pensou novamente. Tirou a chave que pendia de seu pescoço e colocou na mesa. Estava em estado de tranquilidade grande demais para atirá-la em algum lugar.

Olhou de novo. Meia-noite e seis. A música estava chegando ao fim. Respirou fundo novamente, terminando em outro audível suspiro. Ainda ouvia os fogos, quase insuportáveis. Luzes multicoloridas atravessaram a janela. Junto com os sons de explosão de pólvora. Desistiu de resistir ao barulho e cores e foi à janela. Suspirou mais uma vez e decidiu comemorar. Ano novo, vida nova, não é o que dizem?

Observou o céu; Dourado cintilante, verde e azul. Sons. Rosa e branco. Fumaça. Muitas cores. Pólvora. Vermelho. Vermelho escarlate. Vermelho puro. Vermelho da janela, escorrido, reluzente na luz. Mais um estouro abafado no meio de tantos outros. Era apenas mais uma ironia em pleno réveillon, passada despercebida.

Ano novo, vida nova.