CONTO TRISTE DE NATAL

Maria das Dores era, das quatro outras meninas, a mais velha, sem contar com a criança que estava a caminho. Todas eram Marias: Maria das Graças, Maria do Socorro, Maria do Rosário e Maria da Penha. Era a mais velha e, apesar dos seus nove anos, ajudava a mãe a cuidar das irmãs desde muito pequenina. Seu pai vivia trabalhando fora da cidade, fazendo colheitas e plantios em outras paragens, ficando muito tempo fora de casa, mas quando voltava, Das Dores ficava apavorada porque, se sua mãe não estivesse buchuda, ficava... E, depois de algum tempo, aparecia outra criança pra ela cuidar... Aquilo era um pesadelo! Embora novinha, já tinha noção de que teria menos pra comer, e mais trabalheira com fraldas. Nunca podia ficar à toa, acompanhando o caminhar das formigas no chão, olhando a lua e as estrelas, ou fazendo bonecas de sabugo de milho, pois tinha que tomar conta das irmãs menores. Na verdade, nunca tivera uma boneca. Suas bonecas eram bebês de verdade, que choravam, mijavam e cagavam o tempo todo.

Estava chegando o Natal e ela não parava de pensar na garota que, no ano passado, viera visitar a avó que morava numa casa próxima à casa dela. Naquele vilarejo pobre do Ceará, quase nada acontecia... Só mesmo a missa, aos domingos, quando todos vestiam suas melhores e, quase sempre, únicas roupas decentes para irem rezar na igrejinha e fazer fofoca depois, no pátio. Aquela menina chegara cheia de novidades de Fortaleza... Trouxera, inclusive, uma linda boneca de cabelos louros que falava “mamãe... papai” e contou-lhe que a tinha ganhado do Papai Noel, justamente no Natal. Contou-lhe, ainda, que Papai Noel era um bom velhinho que se vestia de vermelho e distribuía presentes às crianças que se comportavam bem e que colocavam os sapatinhos embaixo da cama, para que ele pusesse, ali, à noite, enquanto todos dormiam, os presentes que haviam sido pedidos nas cartas que recebia. Isso não lhe saíra mais da cabeça, embora tivesse contado à mãe e ela lhe tivesse dito que era tudo bobagem. “Ðeixe de ser besta, menina! Isso é mentira... Tudo invenção dessa gente metida da cidade... E vai olhar tuas irmãs, que é melhor”. Ela ia... Obedecia, mas o pensamento estava fixo na carta que iria escrever, já que aprendera a ler, finalmente, ainda que não muito bem.

Era dia 22 de dezembro, quando entregou a carta ao moço dos correios que, com pena dela, levou-a para não roubar-lhe a ilusão ingênua do Natal. Ela tinha se esmerado em escrever com a melhor caligrafia possível e tratou de ser bem enfática, quanto ao modelo de boneca que queria... Escreveu que queria uma boneca de brinquedo, que não se esgoelasse de fome e não sujasse as fraldas e, se possível, que dissesse, também, “mamãe... papai”, como a daquela menina. Pensou que, talvez, aquele bando de irmãs pudesse ter sido enviado por ele, só que fora das especificações desejadas. Ela até que gostava das irmãs, mas davam um trabalhão.

Na véspera de Natal, no dia 24, esperou que todos dormissem, destrancou a porta para que o Papai Noel pudesse entrar e colocou o seu único par de sapatos sob a redinha onde dormia. Eram os sapatos de domingo, de ir à missa... Teve vergonha de colocar as chinelinhas sujas e gastas... O que Papai Noel iria pensar dela? E foi assim, confabulando consigo mesma, imaginando a realização do seu desejo que adormeceu. E sonhou um sonho lindo, com Papai Noel chegando, entrando na ponta dos pés, para não acordar ninguém e colocando a sua tão sonhada boneca, embrulhada num papel colorido, com um lindo laço vermelho, em cima dos seus sapatinhos domingueiros... O sonho estava tão bom que não queria acordar... Tinha medo que a realidade fosse outra... E era... Bem diferente, ou melhor, era a sua dura realidade... Acordou debaixo de tapas e berros de sua mãe... Dormira tão pesado, inebriada naquela quimera mágica, que fizera xixi em cima dos sapatos da missa. Foi pra igreja com as chinelinhas velhas, chorando de vergonha e raiva, frustrada por não ter ganhado a tão desejada boneca e pensando que sua mãe, afinal, tinha razão... Papai Noel não passava de invenção daquela gente metida da cidade.