Inverno
Irrompeu ao mundo na colorida primavera de outubro. Uma orquídea dourada de Kinabalu, rara e de indescritível beleza.Seus cabelos eram como jazidas de ouro acentuando a imensidão azul dos seus olhos contrastando com a alvura acetinada de sua pele de marfim.
Um desses raros espécimes que a natureza expele de tempos em tempos feito lava incandescente, que transcendem qualquer definição de perfeição ou beleza, como uma pérola rara, um diamante de mil quilates ou uma aurora boreal.
Teve uma juventude solar,radiante, atraindo uma profusão de raios que desciam do céu como feixes de luz que acentuavam toda sua beleza e luminosidade polaca.
Era dona de uma sensualidade singular, não possuía a voluptuosidade curvilínea das coisas vulgares, era como uma obra de arte de museu, apreciada por muitos, possuída por ninguém.
Sua presença tinha o efeito devastador de um tsunami, embalando sonhos e provocando desejos inconfessáveis. Nada sobrava de pé.
Assim feito deusa ela viveu. Acostumou-se com o universo orbitando em torno de si e um séquito de admiradores arrastando-se enfeitiçados aos seus pés de cinderela.
Não teve amores, teve súditos.
Mas de tão amada não conseguiu amar e de tão admirada não conseguiu admirar, porque o amor pressupõe reciprocidade, o que não lhe era possível tendo em vista a superioridade intransponível de sua beleza.
Mas a vida é cruel em sua marcha persistente. Lentamente, sem que percebesse, ou sem que quisesse perceber, o tempo foi tirando aquilo que lhe era mais caro.
As sardas marrons aos poucos passaram a dominar a então imaculada alvura polaca.
A simetria perfeita dos traços foi sendo destruída com a derrocada de peles, carnes, músculos e autoestima. A imensidão oceânica de seus olhos azuis transformada num lago opaco que não desaguava em lugar algum.
O carrasco tempo em sua soberana missão, implodindo os tijolos de vento com os quais ergueu seu castelo.
Velha e sozinha, num belo apartamento com vistas para o lago Guaíba, sorvia o ocaso de seus dias, enquanto o vento despedaçava as últimas folhas das árvores naquela cinzenta e fria tarde de inverno.
Pelo vidro da janela encarava o reflexo triste de sua imagem distorcida, enquanto observava escorrer pela face pálida o desmoronamento líquido daquilo que um dia já fora o seu corpo, seu mundo e seu reino.