Tchau, cocô...!
Mãe, acabei! Sim, mãe, acabei do cocô. Mas acabei também de ter uma introspecção, uma percepção de mundo que eu jamais havia sentido antes, uma consciência sem igual. Aqui no pinico sai parte de mim; me esvaio, me cago, me vou, me deixo. Eu vou. Eu sou o cocô e o cocô sou eu. Sim, mãe. O cocô vai embora, e eu também vou. Não hoje, não amanhã, mas eu vou, também vou escoar, também vou feder, aliás, isso já está acontecendo. Estou voltando ao meu não-ser, como antes de meu nascimento, assim serei depois de minha morte. O nada. O não-ser para o ser e de volta para o não-ser. Como um ciclo, como um fluxo, é mesmo um escoar, para baixo, para fora, para o fim. Por que esses olhos arregalados, mãe? É, agora eu sei. Viver é esse fluxo, é esse escorrimento, desde que nasci, quando escorri de seu útero, e antes, quando o escorrimento de esperma do papai te fecundou. A vida é escoar, é como cagar. Posso falar cagar, mãe? Pois é, que experiência essa a de cagar. De fato é muito reveladora. De fato é a maior experiência de vida que se pode ter. Do ser ao nada, da vida à bosta; o que entra e o que sai, o que vem e o que vai, o que nasce e o que morre. Tudo escorre. E é incrível que toda essa minha vivência se deu pelo meu cu. Poso falar cu, mãe? Acho que você não se importa, está até ficando pálida. Sua pressão também está escoando, mamãe? E tudo não é como rolar a pedra de Sísifo? Agora jamais esquecerei. É a primeira vez que vejo meu cocô, nesse pinico, e agora entendo tudo. Vou me despedir dele e será como dizer “Até breve”, até algum dia, quando nos encontrarmos de volta à natureza, escoados completamente, e sumiremos. Jamais me esquecerei de você, meu cocô, meu rebento, meu destino. Por que você desmaiou, mamãe? Tchau, cocô. E obrigado. Você fez de meu cu um filósofo e me ajudou a estar passando por esta nova fase de minha vida. Do pó ao pó, da água à água. Adeus.