Tão bela a vida era...

...que deixei os arvoredos no quintal, ao Deus-dará, e fui brincar de médico. Não foi difícil arrumar a paciente, que me procurou, impenitente. Regulávamos em idade e iríamos, agora, nos empatar em intimidade.

A consulta se fez em local apropriado, indevassado, e com o mais criterioso cuidado. Não requereu preenchimento de ficha, constatação de que o plano de saúde cobria - enquanto o pano se descobria. Eram tempos do IAPI e de seus assemelhados.

Não saberia então explicar, mas confesso que gostei do que vi, apalpei, e acho até que na ponta da língua senti. Sapore di sale che non aveva nessuna cosa di sapore di male.

A consulente, em nenhum momento sentiu-se inibida, ofendida, ou desenxabida. Aquilo tudo parecia transcorrer sob um script perfeito, consentâneo e espontâneo.

Pena que o remédio que prescrevi teve efeito imediato, além de ser bem barato. Não tinha tarja de qualquer cor, era carente de odor, um vero elixir do amor.

Fechei o consultório, de simplório. Sob a vigilante espreita do oratório.

Fui atrás doutra profissão, mas me contento de ter sido médico dum plantão. Ou Platão?

Paulo Miranda e Teresa de Angola
Enviado por Paulo Miranda em 25/11/2014
Reeditado em 25/11/2014
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