Supermercado
Vagou angustiado pelos corredores brancos e indiferenciados, sem achar o que procurava nas intermináveis prateleiras. Já estava arrependido do negócio que lhe parecera imperdível há pouco.
Como derradeiro consolo, restara-lhe algum saldo para adquirir coisas que minimizassem aquela sensação de incompletude. Era a primeira vez que vagava por aí sem alma. Sempre imaginou que não sentiria falta dessa coisa abstrata que todo mundo diz que existe mas ninguém nunca comprovou utilidade prática. Preferiu trocá-la por quantia determinada, que poderia utilizar para coisas mais concretas, como carro, casa, smartphone, televisão ou comida. Mas agora sentia-se consumido por uma sensação de perda que nunca experimentara e voltou desesperado ao supermercado para tentar recomprá-la.
No fundo sabia que seria uma busca vã. Após a venda, todas as almas têm seu preço majorado para recompra. Fácil vender, muito caro recuperar, virtualmente impossível.
Ainda não estava muito certo se o arrependimento advinha do preço negociado (talvez sua alma valesse um pouco mais) ou se da sensação de perda. Certas coisas a gente só dá o devido valor quando perde, como os rins, o wifi ou a água potável. Mas de todo modo, se aceitou vender a própria alma, talvez não fosse mesmo digna das maiores apreciações.
Pensou ainda que poderia ter apenas hipotecado-a, assim deixaria uma possibilidade de recompra futura, mas o preço de venda irrevogável parecera-lhe melhor negócio.
Terminou desolado sua corrida vã pela interminável prateleira. Até experimentou um átimo de felicidade ruminando quem teria se interessado pela sua alma. Que corpo a carregaria por aí?
Pensou em comprar uma substituta de menor valor, que ainda fosse possível adquirir com o saldo que sobrara, mas nenhuma parecia digna de habitar aquele corpo indigno. Ponderou que talvez pudesse comprar uma alma barata e então realizar upgrades periódicos, através de meditação, filosofia, resiliência e correção moral, essas coisas que sempre soube existir mas nunca teve vontade nem coragem de praticar.
Por fim, ante a escassez de almas com um mínimo de credenciais para habitar o próprio corpo, julgou que seria melhor vagar desalmado por aí, como uma árvore frondosa que esconde dentro de si um tronco oco pela ação devastadora e invisível dos cupins.
Mas se o mercado de almas estava muito inflacionado, poderia ainda buscar refúgio na seção de virtudes, produtos um pouco mais acessíveis no varejo, dependendo da categoria escolhida.
Atributos como Simpatia ainda podiam ser comprados a um valor aceitável, enquanto Sabedoria e Honestidade eram quase incompráveis. Bom Senso já fora uma virtude acessível, mas por causa de uma quebra de safra geracional, agora estava com o preço bastante inflacionado.
Contou o que restara da famigerada venda. Pouco. Não dava mais para comprar as virtudes nobres, como Dignidade, Honra ou Discernimento.
A própria ausência delas, somada ao vazio causado pela falta d’alma, tornava o processo de decidir extremamente penoso e complexo.
Sentia-se cansado dessa busca extenuante e agora até mesmo desprovida de sentido. Era sua carcaça, lentamente se acostumando ao vazio.
Resolveu então investir o pouco que restara num suculento bife de picanha, e saiu vagando por aí lambendo os beiços, sem destino, sem razão, sem propósito, vazio de alma e de barriga cheia.