O MUNDO CABE EM UM DIA
Jamais confiei em alguém mais sóbrio do que eu.
À parte o tempo, todos os sonhos de um homem comum caberiam num único dia.
Os chineses reciclam papelão
Os norteamericanos embalam presentes com papelão
Os chineses reciclam o papelão.
Independente do tamanho do papel, nascemos para o protagonismo,
Nascemos para o estrelato
E isso é pacífico inclusive entre os certinhos, os arrumadinhos, os escolhidos, os perfeitos, os substantivos,
Ou seja, entre todos aqueles que vivem mais sóbrios do que eu.
Quem tem razão do mundo?
Quem tocou o monólito, quem encenou 2001: Uma Odisséia...?
O mais interessante em Moscou é ser uma capital tão fria.
Será interessante quando a Índia bem-quiser as mulheres,
Sairemos polinésios, surgiremos africaníssimos: caímos então nos Andes.
Um de nós será o dono do mundo. O outro abrirá mão do tempo.
Isso: diriam todos se lessem as aventuras – em uma tarde dublinense – criadas por Joyce.
Consideraram-nas heresia.
Ulisses que há em nós, quem nunca foi tão cru assim?
Os agentes sóbrios demais possuem algo que Freud não percebeu. Periga o universo perder-se em eixo e apetrechos caso os soldados da sobriedade não suprimam as referências. Lotofagia nenhuma nos descansará, jamais confiarei naquilo que é o mesmo que não é. Por que não legalizar de tudo na vida?, basta que haja vida, pois pedimos os sonhos o prazer e a felicidade e o sonho e o prazer e a felicidade não estão nas leis, pois aquilo que se proíbe, se há vida, pois então deve ser o frustrado em demasia nas mãos de quem controla, nas vistas de quem vigia, na lupa com que se investiga os problemas do mundo, pois, se há vida, basta que a vida: há. Adrenalisemos: nenhuma agitação desperta, não houve sono. Os carrascos sempre estão sóbrios. Opressores nem sempre, é uma verdade, mas o pai das culturas jamais se embriagou, os seres de todas as durezas nunca tragaram uma dose sequer, não conhecem também o torpor da aspiração ríspida de oxigênio em transe, nem os seres, nem os pais, nem os agentes, as vigilâncias, os controles, as lupas, os soldados, os carrascos...
...Na mão de um carrasco a eletricidade é uma falha,
Da boca de quem não aprende sempre sairá poeira,
Os pulsos daquela pessoa que erra estarão ilesos; já o fadado ao acerto perde os dedos: mas guarda os anéis,
Somos estranhamente profundos se a delicadeza é rasa
Somos moribundamente noturnos se a certeza anda vaga,
Somos profundamente egoístas, amamos apenas para não adoecer.
O céu está quente, o homem não dá conta disso.
O processo da culpa parte da noção de quem não somos.
Pior do que o crime é criar o criminoso. Pior do que a culpa é criar um culpado. Pior o calor, o céu; e a conta que o homem não dá de quem é.
Os melhores dias de uma pessoa cabem numa tarde: uma rede, o cochilo, memória.
Que brisa não há responsável pelo melhor prazer do verão?
Ninguém recusa, ninguém desusa, ninguém proíbe, ninguém esquece.
Dê como exemplo a presença do vento então desejado.
Vê quem não remexe a alma.
Reconhecemo-nos no prazer, não há disputa nenhuma nisso, não há porque negar: reconhecemo-nos no prazer: sejamos todos: prazer.
Daí harmonia do mundo: aí o remédio das coisas,
Aí que os seres tão sóbrios jamais percebem,
Taí, porque ladram,
Taí porque picam,
Trucidam, rugem, bramem, mugem, caçam.
Não confio em ninguém mais sóbrio do que eu:
normalmente possuem demasiada fé em montanhas que nunca se movem.